sexta-feira, agosto 30, 2013

Gentil demais


Recebi um livro chamado A arte de ser gentil, com o dispensável subtítulo A bondade como chave para o sucesso, que, a meu ver, descredibiliza um pouco o autor, o sueco Stefan Einhorn, já que ser gentil deveria ser uma atitude para facilitar as relações humanas, e não uma meta para o sucesso. Que sucesso, o quê. Agora tudo o que a gente faz tem que visar o sucesso?
O texto da contracapa diz que uma pessoa gentil terá mais oportunidades de se tornar feliz, rica, bem-sucedida e realizada, e que o livro fornecerá soluções imediatas e de longo prazo para os interessados em se tornarem seres humanos melhores. Foi tudo que li até agora, a contracapa, e não vou adiante. Primeiro, porque tenho uma pilha de outros livros me aguardando, e em segundo lugar, porque já sou gentil. Nem sabia que sendo gentil eu poderia ficar rica, feliz, bemsucedida e essa coisa toda. Sou gentil simplesmente porque acho mais fácil do que ser grosseira. Despende menos energia. E também porque não vejo graça em magoar as pessoas. Até aí, estou no padrão. O que ninguém nos ensina é que gentileza demais pode, por incrível que pareça, também ser um defeito, e dos graves.
Óbvio que não se deve ser rude com amigos, parentes, colegas de trabalho, vizinhos, comerciários, mas ser exageradamente gentil com todo mundo pode colocar a nossa vida em risco. Por exemplo: o que você faz se, ao chamar o elevador de um prédio estranho, à noite, a porta se abrir e lá dentro estiver um sósia do Curinga, com uma cicatriz perturbadora na face e vestindo um sobretudo enorme que poderia muito bem esconder duas pistolas, três granadas e um rifle? Você certamente teria uma vontade súbita de descer pela escada e sumiria de vista. Pois eu entraria no elevador toda faceira, daria boa noite e faria comentários sobre o clima, pois deus que me livre de ele achar que eu sou preconceituosa e que sua aparência me fez pensar que ele pudesse ser um esquartejador de mulheres. Por que ele não pode ser um pai de família como outro qualquer?
Se eu pego um táxi e o motorista demonstra não ter o menor senso de direção, arranha marchas, não usa o piscapisca e tira um fino dos outros carros, eu é que não vou mandá-lo de volta para a autoescola. Se ele correr a 200km/h, tampouco solto os cachorros, vá saber o dia horroroso que ele está descontando no acelerador, coitado. Neste caso eu simplesmente “me lembro” de que o endereço onde pretendo ir fica na próxima esquina, e não três bairros adiante, e saio pedindo desculpas pelo meu equívoco.
Se um garçom se aproximar perigosamente de mim com uma panela cheia de óleo fervente, eu não dou um pio, imagina se vou pedir para ele se afastar. Ele vai me considerar uma elitista estúpida – não basta ter pedido um fondue caríssimo, ainda vou ser grossa? Nada disso, uma queimadura no braço não mata ninguém. E se eu estou caminhando por uma rua escura e, na direção contrária, vem um adolescente com um gorro enterrado até o nariz e as duas mãos enfiadas numa jaqueta, eu começo a rezar, mas não troco de calçada, imagina o trauma que posso causar no menino: vai ver é até um amigo da minha filha.
Se você tem mais de nove anos de idade, já sabe reconhecer uma ironia e entendeu meu recado: seja gentil, mas não a ponto de perder o tino. Se tiver que ferir suscetibilidades para salvar sua pele, paciência. Atravesse a rua. Desça pela escada. Dê no pé. Sucesso é chegar em casa com vida. 
21 de agosto de 2008

quinta-feira, agosto 29, 2013

Educação para o divórcio


Estou lendo O quebra-cabeça da sexualidade, do professor espanhol José Antonio Marina. No livro, o autor diz que considera preocupante que os jovens estejam recebendo dos pais a experiência do fracasso amoroso. Ao ver a quantidade de casais que se separam, a garotada vai perdendo a expectativa de ter, no futuro, uma relação saudável e sem conflito.

Desencantam-se.

Creio que esteja acontecendo mesmo. Hoje o casamento já não é a ambição número 1 de muitos adolescentes, e um pouco disso se deve à descrença de que o matrimônio seja uma via para a felicidade. Se fosse, por que tanta gente se separaria?

O casamento tem sofrido uma propaganda negativa de tamanho grau que é preciso uma reação da sociedade: está na hora de passarmos a ideia, para nossos filhos, de que uma relação não traz apenas privações, tédio e brigas, mas traz também muita realização, estabilidade, parceria, intimidade, gratificações. Casar é muito bom. Como fazê-los acreditar nisso, se as estatísticas apontam um crescimento incessante no número de divórcios?

A saída talvez seja educarmos os filhos desde cedo para que a ideia de separação seja acatada como algo que faz parte do casamento. Ou seja, quando os pirralhinhos perguntarem: “Mamãe, você ficará casada com o papai para sempre?”, a resposta pode ser: “Enquanto a gente se amar, continuaremos juntos – senão vamos virar amigos, o que também é muito bom”.
Isso pode parecer chocante para quem jurou na frente do padre que iria ficar casado até o fim dos dias, mas há que se rever certas fórmulas, a começar por esse juramento que mais parece uma punição do que um ideal romântico. Está na hora de um pouco de realismo: hoje vivemos bem mais do que antigamente, com mais informação e mais oportunidades. Deve ser bastante confortável e satisfatório ficar casado com a mesma pessoa por quarenta ou cinquenta anos, é um bonito projeto de vida, mas, se a relação durar apenas dez ou quinze, é bom que a gurizada saiba: não é um fiasco. É normal.

A normalidade das coisas se adapta aos costumes. Vagarosamente, mas se adapta. Se continuarmos insistindo na ideia de que o verdadeiro amor não acaba, as crianças vão achar que o mundo adulto é habitado por incompetentes que não sabem procurar sua alma gêmea e que sofrem em demasia. Vão querer isso para elas? Fora de cogitação.

Para evitar essa fuga em massa do casamento, a saída é, como sempre, a honestidade. Seguir educando para o “eterno” é uma incongruência. Ninguém fica no mesmo emprego para sempre, ninguém mora na mesma rua para sempre, ninguém pode prometer uma estabilidade vitalícia em relação a nada, e se a maioria das mudanças é considerada uma evolução, um aperfeiçoamento, por que o casamento não pode ser visto dessa mesma forma descomplicada e sem stress?

A frustração sempre é gerada por expectativas que não se realizam. Se nossos filhos ainda são criados com a ideia de que pai e mãe viverão juntos para sempre, uma separação sempre será mais traumática e eles também temerão “fracassar” quando chegar a vez deles. Se, ao contrário, souberem desde cedo que adultos podem (não é obrigatório) viver duas ou três relações estáveis durante uma vida, essa nova ética dos relacionamentos será absorvida de forma mais tranquila e eles seguirão entusiasmados pelo amor, que é o que precisa ser mantido, em benefício da saúde emocional de todos nós.
26 de outubro de 2008

JEITOS DE AMAR


No livro Prosa Reunida, de Adélia Prado, encontrei uma frase singela e verdadeira ao extremo. Uma personagem põe-se a lembrar da mãe, que era danada de braba, mas esmerava-se na hora de fazer dois molhos de cachinhos no cabelo da filha, para que ela fosse bonita pra escola. “Meu Deus, quanto jeito que tem de ter amor”.É comovente porque é algo que a gente esquece: milhões de pequenos gestos são maneiras de amar. Beijos e abraços são provas mais eloqüentes, exigem retribuição física, são facilidades do corpo. Porém há diversos outras demonstrações mais sutis.

Mexer no cabelo, pentear os cabelos, tal como aquela mãe e aquela filha, tal como namorados fazem, tal como tanta gente faz: cafunés. Amigas colorindo o cabelo da outra, cortando franjas, puxando rabos de cavalo, rindo soltas. Quanto jeito que há de amar.

Flores colhidas na calçada, flores compradas, flores feitas de papel, desenhadas, entregues em datas nada especiais: “lembrei de você”. É este o único e melhor motivo para azaléias, margaridas, violetinhas. Quanto jeito que há de amar.

Um telefonema pra saber da saúde, uma oferta de carona, um elogio, um livro emprestado, uma carta respondida, repartir o que se tem, cuidados para não magoar, dizer a verdade quando ela é salutar, e mentir, sim, com carinho, se for para evitar feridas e dores desnecessárias. Quanto jeito que há de amar.

Uma foto mantida ao alcance dos olhos, uma lembrança bem guardada, fazer o prato predileto de alguém e botar uma mesa bonita, levar o cachorro pra passear, chamar pra ver a lua, dar banho em quem não consegue fazê-lo só, ouvir os velhos, ouvir as crianças, ouvir os amigos, ouvir os parentes, ouvir. Quanto jeito que há de amar.

Rezar por alguém, vestir roupa nova pra homenagear, trocar curativos, tirar pra dançar, não espalhar segredos, puxar o cobertor caído, cobrir, visitar doentes, velar, sugerir cidades, discos, brinquedos, brincar: quanto jeito que há.

quarta-feira, agosto 28, 2013

As palavras e o silêncio


Os últimos diálogos: 18:48:34 Co-piloto: "Desacelera, desacelera!" 18:48:40 Piloto: "Não dá, não dá... Ai, meu Deus!" Cotidiano, 2 de agosto de 2007


DESDE CRIANÇA tinha um sonho: queria ser escritor, autor de livros como aqueles que lia (lia, não: devorava) na escola: as obras de José de Alencar, de Machado de Assis, de Graciliano Ramos. Muito cedo começou a rabiscar historinhas que mostrava com orgulho para os professores e para os pais. Todos o encorajavam, diziam que deveria prosseguir, que tinha muito talento. Mas disso ele próprio duvidava. A verdade é que se sentia muito distante dos grandes mestres.
Não tinha fôlego, parecia-lhe, para escrever uma obra como as de Shakespeare, autor que admirava, embora nem sempre o entendesse. Uma constatação que o deixava deprimido. E mais deprimido ficou quando, a conselho dos pais e dos amigos, começou a estudar letras.
Quanto mais autores famosos conhecia, mais se envergonhava de seu próprio trabalho, coisa de simplório amador. Os seus diálogos, por exemplo, eram fracos, banais, nada que chegasse aos pés dos diálogos escritos por Shakespeare, diálogos que traduziam todos os dramas que as pessoas podem viver.
Um dia, e de repente, ocorreu-lhe uma resposta. Um grande tema, era isso o que lhe faltava. Um tema que pudesse ser expresso através de diálogos fortes, transcendentes. Mas que tema poderia ser esse? Na sua própria vida nada acontecia que o motivasse. Era uma vida tranqüila, sem grandes problemas.
Os pais, ele, advogado, ela, médica, não eram ricos, mas podiam sustentá-lo confortavelmente. Moravam numa boa casa, onde ele tinha seu quarto, sua tevê, seu computador.
Nunca passara fome, nem ele nem a irmã mais velha, que aliás era a companheira, a confidente com quem podia contar sempre. Nunca tivera doenças graves, era um jovem atlético (jogava basquete), simpático. Namoradas estavam ao seu alcance à hora que quisesse.
Grandes escritores muitas vezes são pessoas atormentadas, angustiadas. Não era seu caso. E por essa razão, era o que achava, não tinha sobre o que escrever. Faltava-lhe uma tragédia. Então ocorreu o acidente aéreo.
Medonha catástrofe, dezenas de vítimas. Olhando a tevê, ele, como tantos outros, chorou de emoção. Ocorreu-lhe escrever uma história a respeito. Uma história que retratasse a agonia humana numa tragédia como aquela e que a expressasse por meio de diálogos: entre os passageiros, entre os pilotos.
Sem demora, sentou-se ao computador. Mas aí viu, sobre a mesa, o jornal daquele dia, com a transcrição dos últimos diálogos gravados na caixa preta. Ele os leu, ou melhor, releu. Eram palavras simples aquelas, palavras que poderiam fazer parte do cotidiano de qualquer pessoa, mesmo que essa pessoa não escrevesse: ""Desacelera, desacelera!", "Não dá, não dá... Ai, meu Deus!"
Desligou o computador. Nada mais havia a ser dito ou escrito. Nesse momento ocorreram-lhe as palavras daquele distante autor inglês, Shakespeare: o resto é silêncio.

Que data você escolheria?


Este ano tem tantas datas redondas a comemorar - de pessoas ou acontecimentos - que eu não sei se vai sobrar tempo para 2008 viver 2008. Ele corre o risco de ser todo de lembranças, periga o passado tomar conta do presente, principalmente quando olhar para trás é às vezes mais confortável do que olhar para o lado. Cem anos da morte de Machado de Assis e do nascimento de Guimarães Rosa. Duzentos anos da chegada da Família Real ao Brasil e do advento da Medicina. Cinqüenta anos da Bossa Nova, da Copa da Suécia e de todo o 1958. Quarenta anos de 1968. Centenário da imigração japonesa e do Atlético mineiro, sem falar no que certamente esqueci.
Existe - como não poderia deixar de ser no país do Fla x Flu, em que se disputa até com palito de fósforo - uma competição informal para saber que data é mais significativa: 1808 ou 1968? 1968 ou 1958? Maria Adelaide Amaral introduziu um outro ano nesse torneio, ao situar a trama de sua mini-série "Queridos amigos" em 1989, que ela elegeu como "tão ou mais importante do que 1968" (o curioso é que os personagens vivem em 89, mas se alimentam das recordações, da saudade e até dos traumas de 68. Alguns foram ativos militantes políticos, outro renega cinicamente seu passado de luta e a mais dramática figura da história não consegue se livrar das lembranças da tortura e das sevícias que sofreu na prisão. Na ficção, como na vida real, as pessoas têm dificuldade de esquecer aquele ano).
Se fosse entrar nesse campeonato do "mais importante", eu não teria dúvida em votar nos dois centenários, o de Machado e o de Rosa. Eles são suficientes para inflar o nosso ego e compensar carências atuais. Se tivessem escrito numa língua menos excêntrica, os dois maiores monstros de nossas Letras iriam figurar no panteão internacional de glórias literárias.
Se fosse, já não digo o inglês, mas o espanhol, ou mesmo o português de Portugal, eles estariam presentes, por exemplo, em "O cânone ocidental", livro do crítico americano Harold Bloom, que cometeu a injustiça de selecionar cerca de 500 nomes ocidentais que julga paradigmáticos e sequer citar nossos conterrâneos. Em compensação, não se esqueceu de Borges e Fernando Pessoa - muito justo - mas também de autores como Pablo Neruda, García Marquez e Vargas Llosa, que, com todo o respeito ao Prêmio Nobel (os dois primeiros ganharam), não são superiores em excelência literária aos nossos dois representantes.
Dizer que Neruda é, "segundo consenso geral, o mais universal desses poetas" [hispano-portugueses], sem se referir a Drummond e a Bandeira, mostra desconhecimento inadmissível num especialista. Daí que as embaixadas brasileiras deveriam ter como tarefa cultural providenciar traduções de nossos clássicos e bombardear críticos famosos e desinformados como esse Bloom.

De volta ao primeiro beijo -


"O primeiro beijo é uma coisa muito falada. Sem dúvida é uma experiência muito marcante, inesquecível. O primeiro beijo é uma maturação, uma descoberta. Ao mesmo tempo, para alguns, ele pode ser um monstro assustador", diz o cineasta Esmir Filho, diretor de "Saliva". O filme conta como Marina, uma garota de 12 anos, é pressionada a dar o seu primeiro beijo no experiente Gustavo.
Folhateen

TINHA ACABADO de ler a matéria sobre o primeiro beijo, no pequeno apartamento em que morava desde que ficara viúvo, anos antes, quando (coincidência impressionante, concluiria depois) o telefone tocou. Era uma mulher, de voz fraca e rouca, que ele de início não identificou: - Aqui fala a Marília -disse a voz. Deus, a Marília! A sua primeira namorada, a garota que ele beijara (o primeiro beijo de sua vida) décadas antes! De imediato recordou a garota simpática, sorridente, com quem passeava de mãos dadas. Nunca mais a vira, ainda que freqüentemente a recordasse -e agora, ela lhe ligava. Como que adivinhando o pensamento dele, ela explicou: - Estou no hospital, Sérgio. Com uma doença grave... E queria ver você. Pode ser? - Claro -apressou-se ele a dizer- eu vou aí agora mesmo. Anotou rapidamente o endereço, vestiu o casaco, saiu, tomou um táxi. No caminho foi evocando aquele namoro, que infelizmente não durara muito tempo -o pai dela, militar, havia sido transferido para o Norte, com o que perdido o contato -mas que o marcara profundamente. Nunca a esquecera, ainda que depois tivesse beijado várias outras moças, uma das quais se tornara a sua companheira de toda a vida, mãe de seus três filhos, avó de seus cinco netos. E não a esquecera por causa daquele primeiro beijo, tão desajeitado quanto ardente.
Chegando ao hospital foi direto ao quarto. Bateu; uma moça abriu-lhe a porta, e era igual à Marília: sua filha. Ele entrou e ali estava ela, sua primeira namorada. Quase não a reconheceu. Envelhecida, devastada pela doença, ela mal lembrava a garota sorridente que ele conhecera. Consternado, aproximou-se, sentou-se junto ao leito. A filha disse que os deixaria a sós: precisava falar com o médico.
Olharam-se, Sérgio e Marília, ele com lágrimas correndo pelo rosto. - Você sabe por que chamei você aqui? -perguntou ela, com esforço. - Porque nunca esqueci você, Sérgio. E nunca esqueci o nosso primeiro beijo, lembra? Na porta da minha casa, depois do cinema... - Claro que lembro, Marília. Eu também nunca esqueci você... - Pois eu queria, Sérgio... Eu queria muito... Que você me beijasse de novo. Você sabe, os médicos não me deram muito tempo... E eu queria levar comigo esta recordação...
Ele levantou-se, aproximou-se dela, beijou os lábios fanados. E aí, como por milagre, o tempo voltou atrás e de repente eles eram os jovenzinhos de décadas antes, beijando-se à porta da casa dela. Mas a emoção era demais para ele: pediu desculpas, tinha de ir. A filha, parada à porta do quarto, agradeceu-lhe: você fez um grande bem à minha mãe. E acrescentou, esperançosa: - Acho que ela agora vai melhorar. Não melhorou. Na semana seguinte, Sérgio viu no jornal o convite para o enterro. Mas, ao contrário do que poderia esperar, apenas sorriu. Tinha descoberto que o primeiro beijo dura para sempre. Ou pelo menos assim queria acreditar.

Dentro de um Abraço

Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?
Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.
Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.
E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.
Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incer-ta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde à beiramar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste. 
12 de junho de 2008

quinta-feira, novembro 24, 2011

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...




Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,




E assim será possível; mas hoje não...




Não, hoje nada; hoje não posso.




A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,




O sono da minha vida real, intercalado,




O cansaço antecipado e infinito,




Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...




Esta espécie de alma...




Só depois de amanhã...




Hoje quero preparar-me,




Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...




Ele é que é decisivo.




Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...




Amanhã é o dia dos planos.




Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;




Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...




Tenho vontade de chorar,




Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...










Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.




Só depois de amanhã...




Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.




Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...




Depois de amanhã serei outro,




A minha vida triunfar-se-á,




Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático




Serão convocadas por um edital...




Mas por um edital de amanhã...




Hoje quero dormir, redigirei amanhã...




Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?




Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,




Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...




Antes, não...




Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.




Só depois de amanhã...




Tenho sono como o frio de um cão vadio.




Tenho muito sono.




Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...




Sim, talvez só depois de amanhã...










O porvir...




Sim, o porvir...










(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa)

segunda-feira, outubro 31, 2011

Como é gostoso ser humano


Engraçado como os problemas, quando são maiores do que nossa capacidade de resolvê-los nos deixam mais perceptivos...
Hoje na sala de espera da UTI tive a oportunidade de conhecer varias pessoas e dividir com elas problemas que não eram meus, palavras doces, piadas, tentativas de entusiasmar de alegrar, consegui fazer na pratica o que prego todos os dias...  Que possamos levar alegria onde houver tristeza.
Foi tão gostoso ver uma filha desesperada ter seus olhos se enchendo de esperança qdo fiz uma comparação “tosca” de Deus com um mágico onde sua imensa cartola sempre tem novos coelhos a serem tirados.
Quando ela saiu da visita de sua mãe me fez sinal e me chamou em um canto sorriu e chorou... me abraçou forte e me perguntou como eu sabia que a mãe dela estaria melhor que tudo ia se resolver com tanta certeza ...simplesmente me agradeceu
E eu me senti tão forte tão feliz
Não sei eu simplesmente sabia, e agradeço por ter conseguido transmitir meu otimismo e arrancar um sorriso... Dando um momento de felicidade onde ela parecia não mais existir.
Como é gostoso ser humano 

Obrigada por insistir



Até o mais seguro dos homens e a mais confiante das mulheres já passaram por um momento de hesitação, por dúvidas enormes e dúvidas mirins, que talvez nem merecessem ser chamadas de dúvidas, de tão pequenas. Vacilos, seria melhor dizer. Devo ir a este jantar, mesmo sabendo que a dona da casa não me conhece bem? Será que tiro o dinheiro do banco e invisto nesta loucura? Devo mandar um e-mail pedindo desculpas pela minha negligência? Nesta hora, precisamos de um empurrãozinho. E é aos empurradores que dedico esta crônica, a todos aqueles que testemunham os titubeios alheios e dizem: vá em frente!


“Obrigada por insistir para que eu pintasse, que eu escrevesse, que eu atuasse, obrigada por perceber em mim um talento que minha autocrítica jamais permitiria que se desenvolvesse.”


“Obrigada por insistir para que eu fosse visitar meu pai no hospital, eu não me perdoaria se não o tivesse visto e falado com ele uma última vez, eu não teria ido se continuasse sendo regida apenas pela minha teimosia e orgulho.”


“Obrigada por insistir para que eu conhecesse Veneza, do contrário eu ficaria para sempre fugindo de lugares turísticos e me considerando muito esperta, e com isso teria deixado de conhecer a cidade mais surreal e encantadora que meus olhos já viram.”


“Obrigada por insistir para que eu fizesse o exame, para que eu não fosse covarde diante das minhas fragilidades, só assim pude descobrir o que trago no corpo para tratá-lo a tempo. Não fosse por você, eu teria deixado este caroço crescer no meu pescoço e me engolir com medo e tudo.”


“Obrigada por insistir para eu voltar pra você, para eu deixar de ser adolescente e aceitar uma vida a dois, uma família, uma serenidade que eu não suspeitava. Eu não sabia que amava tanto você e que havia lhe dado boas pistas sobre isso, como é que você soube antes de mim?”


“Obrigada por insistir para que eu deixasse você, para que eu fosse seguir minha vida, obrigada pela sua confiança de que seríamos melhores amigos do que amantes, eu estava presa a uma condição social que eu pensava que me favorecia, mas nada me favorece mais do que esta liberdade para a qual você, que me conhece melhor do que eu mesma, apresentou-me como saída.”


“Obrigada por insistir para que eu não fosse àquela festa, eu não teria agüentado ver os dois juntos, eu não teria aturado, eu não evitaria outro escândalo, obrigada por ficar segurando minha mão e ter trancado minha porta.”


“Obrigada por insistir para eu cortar o cabelo, obrigada por insistir para eu dançar com você, obrigada por insistir para eu voltar a estudar, obrigada por insistir para eu não tirar o bebê, obrigada por insistir para eu fazer aquele teste, obrigada por insistir para eu me tratar.”


Em tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas pouco se interessa pelo que não lhe diz respeito, só mesmo agradecendo àqueles que percebem nossas descrenças, indecisões, suspeitas, tudo o que nos paralisa, e gastam um pouco da sua energia conosco, insistindo.

Ah, o coração



Acho uma pena que falar em coração tenha se tornado uma coisa tão antiga.


Mas o fato é que tornou-se.


Coração dilacerado, coração em pedaços, coração na mão…


Sentimos tudo isso, mas a verbalização soa piegas.


E, no entanto, estamos falando dele, do nosso órgão mais vital, do nosso armazenador de emoções, do mais forte opositor do cérebro, este sim, em fase de grande prestígio.


O que está em alta?


Inteligência, raciocínio, lógica, perspicácia!


Gostamos de pessoas que pensam rápido, que são coerentes, que evoluem, que fazem os outros rirem com suas ironias e comentários espertos.


Toda essa eficiência só corre risco de desandar quando entra em cena o inimigo número 1 do cérebro: o coração.


É o coração que faz com que uma super mulher independente derrame baldes de lágrimas por causa de uma discussão com o namorado.


É o coração que faz com que o empresário que precisa enxugar a folha de pagamento relute em demitir um pai de família.


É o coração que faz com que todos tremam seus queixinhos quando o Faustão põe no ar o quadro arquivo confidencial!


Eu gostaria que o coração fosse reabilitado, que a simples menção dessa palavra não sugerisse sentimentalismo barato, mas para isso é preciso tratá-lo com o mesmo respeito com que tratamos o cérebro, e com a mesma economia.


Se a expressão “beijo no coração” é considerada “over¿, voltemos a ser simples.


Mandemos beijos e abraços sem determinar onde; quem os receber, tratará de senti-los no local adequado.

sexta-feira, outubro 21, 2011

Metáforas



 
-- O que ele disse?
-- Que não entendeu.
-- E você explicou?
-- Eu não.
-- Por quê?
-- Porque existem coisas que não dá para explicar.
-- Por exemplo?
-- Uma metáfora. Explicar uma metáfora é como explicar uma piada, perde toda a graça.
-- Pelo visto, você gosta de usar metáforas.
-- Gosto.
-- E se as pessoas não as entendem?
-- Fica o dito pelo não dito. Ou melhor, o escrito pelo não escrito. Estou pouco me importando.
-- Mas deveria se importar. Afinal, você escreve para os outros lerem.
-- Nem sempre.
-- Como nem sempre?
-- Às vezes escrevo para mim mesmo, que é uma maneira de externar os meus pensamentos.
-- Mas então, por que envia para os outros esses textos que são dirigidos a você mesmo?
-- Só para causar comentários e discussões a respeito deles.
-- E isso costuma acontecer?
-- Quase sempre. O pessoal gosta de polemizar.
-- Concordo. As pessoas adoram uma discussão.
-- Pois é, tem gente que discute qualquer coisa e é contra o que quer que você escreva.
-- Esses são uns chatos, não são?
-- Invejosos, eu diria.
-- Você conhece muitos que são assim?
-- Mais do que gostaria de conhecer. Mas, no fundo, eu me divirto com eles.
-- De que maneira você se diverte com esses “do contra”?
-- Fazendo com que percam as estribeiras. E eles perdem fácil, fácil.
-- Você também não é flor que se cheire, amigo. Ou estou enganada?
-- Não está, não. Eu tenho as minhas armas para me defender daqueles que se acham os donos da verdade.
-- De uma certa forma, pelo que está me dizendo, você também se acha dono da verdade.
-- Amiga, a verdade tem muitos donos, nunca um só. Ou seja, existe uma verdade para cada dono.
-- Coitada da verdade, escrava de muitos senhores!
-- Parabéns, você entendeu o conceito.
 

Aninha e suas pedras


Aninha e suas pedras
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina  (Outubro, 1981) 

Se cada dia cai




Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda (Últimos Poemas)
 

quarta-feira, julho 06, 2011

Dá-me a tua mão




Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.


De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.


Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

terça-feira, julho 05, 2011

A perfeição



O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.


O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.


Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.


O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.


Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição. 

segunda-feira, julho 04, 2011

Meu Deus, me dê a coragem


Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar. 

domingo, julho 03, 2011

Mas há a vida



Mas há a vida 
que é para ser 
intensamente vivida, 
há o amor. 
Que tem que ser vivido 
até a última gota. 
Sem nenhum medo. 
Não mata. 

sábado, julho 02, 2011

Nossa truculência



Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.


Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também. 

sexta-feira, julho 01, 2011

A Lucidez Perigosa



A lucidez perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.


Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.


Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.


Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém. 
(…) Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que me deixa exausta. Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. Sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar… Eu acredito é em suspiros,mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente. Acredito em coisas sinceramente compartilhadas. Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo. Eu acredito em profundidades. E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos. São eles que me dão a dimensão do que sou.

quarta-feira, junho 22, 2011

Café, sopa e mulher


Tomar um bom café é quase como admirar uma bela mulher. Você pode olhá-la como o cafezinho de repartição naquele copo de plástico; ou café orgânico em xícara de porcelana francesa, com tanta qualidade que apenas o cheiro faz você parar no tempo, sentindo aquele aroma encorpado a subir pelas narinas.
Você já deve ter lido, em algum lugar, que somente os bons cafés liberam um rastro olfativo bem peculiar. Você não deve ter lido, mas certamente recorda que as mulheres mais marcantes da sua vida carregavam um cheiro ímpar, daqueles que a gente procura e não encontra nunca mais. É que cheiro de pele não vende no duty free.
Enquanto você não encontra novos cheiros ímpares, o jeito é seguir bebendo café ruim, fraco, ralo, requentado, sem gosto ou exageradamente adoçado. Existem em abundância, em todos os lugares e para todos os olhares. Foi para isso que inventaram o Nescafé. E o motel de dez reais.
A exemplo de algumas belas mulheres, o café também guarda surpresas nem sempre agradáveis. Quando você entra nessas cafeterias ultrachiques onde o café expresso custa o mesmo preço do seu almoço no bandejão, você espera sentir todas as sensações possíveis e imagináveis. Menos que lhe sirvam um café morno, quase frio.
Pois, como dizia meu finado avô lá na selva, tem três coisas no mundo que só servem quente: café, sopa e mulher.
Quantos cafés e pessoas sem graça não conhecemos na vida? A xícara era bonita, mas o conteúdo...
Quem serve café frio deveria queimar no fogo dos infernos até a última prega. Não adianta pedir desculpas e trazer outro café. Além de quebrar todo um ritual que só dura poucos segundos, o que essas criaturas sem prega vão fazer é jogar a xícara no microondas ou requentar ainda mais um café já requentado.
Conhecemos um café de qualidade antes mesmo do primeiro gole. O problema é que, bom ou ruim, a gente prova mesmo assim. Qualquer semelhança não é coincidência.
Da mesma maneira que a gente descobre os pensamentos de uma mulher apenas pelo jeito como ela nos olha, aprendemos também a admirá-la pelo cheiro e pelo silêncio. Com um bom café, não é exatamente diferente. São poucos segundos entre o cheiro e o paladar. Não são os segundos mais importantes da sua vida, mas são os segundos mais importantes da vida daquele café.
São os poucos segundos que conectam o cheiro do cangote de uma mulher ao paladar do que está embaixo do sutiã. Não importa onde e quando - é naquele gole, naquele momento milimetricamente exato, que tudo se transforma no paraíso ou num desastre total.
Para a turma do café sem graça, são poucos segundos desimportantes. Mas são os mais importantes daquele instante.

quarta-feira, maio 18, 2011

A Beleza Cansada


Você olha para os lados e pergunta: como pode uma mulher linda, inteligente e interessante ficar tanto tempo solteira?
Não é mistério, apenas a lógica bruta do séquito urbanóide das grandes cidades: quanto mais gente disponível, menos gente possível.
Para muitos homens, as principais qualidades daquela mulher se transformam em defeitos. Porque ela é muito melhor do que você. E do que todas as outras mulheres que você conhece.
E muitos homens, que até então se achavam inteligentes (por conta própria), começam a entender como são burrinhos quando tentam despertar o interesse de uma mulher assim.
Quando mais jovem, eu costumava achar que essas mulheres lindas e sozinhas tivessem algum problema. Dos sérios.
Talvez fossem muito chatas. Talvez muito loucas. Talvez muito convencidas.
Porque nenhum homem, em sã consciência, deixaria de entrar na fila para conseguir um horário na agenda delas, nem que fosse para tomar umas cervejas no fim de semana.
O problema é que essas poucas mulheres interessantes sempre têm mais a oferecer. E você, não.
Elas sempre vão ter algo a mais para responder. E você, sequer sabe o quê perguntar.
Elas continuam ali, do outro lado da rua. Lindas, batalhadoras, pagando contas, subindo e descendo de ônibus, cuidando da casa, do trabalho, da vida, dos problemas e até da família. Sozinhas. No intervalo entre o almoço e o cafezinho, talvez elas lembrem que também é cada vez mais difícil achar um homem "razoavelmente" interessante.
A esta altura da vida, depois de tantas interpretações erradas e perguntas que nunca foram feitas, fico pensando se essas mulheres não cansaram de ser interessantes?
Se elas não cansaram de ser lindas e inteligentes num mundo onde isso parece defeito?
Se elas não querem dar um basta, pintar o cabelo de loiro platinado e usar roupa cor-de-rosa-piriguete?
Acho mesmo é que elas cansaram foi de esperar que até o mais inteligente dos homens aprenda alguma coisa sobre elas

terça-feira, maio 17, 2011

O que importa é a beleza interior!


Há muito tempo que as mulheres sacaram que os homens mais interessantes, charmosos, cultos e bem-humorados jamais estrelariam uma campanha da Hugo Boss: onde sobram músculos torneados, coxas grossas e boca carnuda geralmente falta humor e inteligência. Coisas da vida. E até tudo bem: podemos até desejar uma noite ardente com o Brad Pitt, mas, ao contrário dos machos, não ficamos comparando com o loirão os homens com os quais efetivamente temos noites ardentes. Sabemos que delírio é delírio, photoshop é photoshop.
Aqui estão motivos hormonais, sociais, comportamentais e empíricos que levam algumas mulheres a cair de amores por pançudos porto-riquenhos como Benício Del TOro (uh! eu lamberia aquelas olheiras inteirinhas!) e outros do mesmo naipe.
Não-bonitos são mais ligados em cultura -Os bonitões não precisam se esforçar na conversa nem ler Fernando Pessoa para impressionar – é só chegar e pegar. Levando em consideração que homens não passam da adolescência, os cidadãos desse tipo vão ficar insistindo nesse comportamento até a chegada dos cabelos brancos. Já os não-bonitos, desprovidos de facilidades naturais, precisam de outras armas para triunfar nesse mundo cruel. Então começam a ler, sacar o espírito feminino e, em poucos anos, continuam não-bonitos mas infinitamente mais interessantes. O que, de longe, é mais importante.

Exemplos notórios: Woody Allen, Vinícius de Morais.

Não-bonitos são muito mais envolventes -
Nós queremos mesmo é rir, ouvir um papo que preste e estar ao lado de um cara que puxe a cadeira para nos sentarmos. O que os não-bonitos têm a ver com isso? Tudo. Seguindo a lógica da compensação, é muito maior a probabilidade de um não-bonito ser charmoso e ter habilidade para transformar aquele narigão numa característica viril.
Exemplos notórios: Jean-Paul Belmondo, Gérard Depardieu.
Não-bonitos despertam nas mulheres o instinto maternal -Toda mulher, mesmo que negue, tem forte instinto maternal. Não pode ver um coelhinho, urubuzinho, que já faz voz de criança, chama de lindinho. A vontade de encher de carinho e beijinho o que parece desprotegido é incontrolável. Não-bonitos têm o mesmo efeito e, assim como os bichinhos, muitas chances de ficar conosco debaixo do edredom.
Exemplos notórios: Adrien Brody, Robert Carlyle.
Não-bonitos são mais dedicados à alegria feminina -Homem feio dá menos trabalho. Tudo bem que ele é culto, divertido, charmoso, mas nenhuma perua vai sacar isso só de olhar para a cara dele – que, convenhamos, não é lá essas coisas. Desde cedo, os desprovidos aprenderam que, se o forte deles não é a figura, tem de ser outro, muito mais vital: atender os desejos da mulherada. Onde, neste mundo, um bonitão, com tanta mulher disponível, vai se dar ao trabalho de ser eficiente sobre os lençóis?
Exemplos notórios: Luciano Huck, André Gonçalves.
Conclusão -Mulheres são mais humanitárias e menos superficiais que os homens. Sem contar que somos possuidoras de um gosto sortido. Um pouco esquisitas, também (mas isso vem de fábrica). O que significa que a gama de marmanjos que podem interessar a nós é muito maior do que a variedade de mulheres que podem chamar a sua atenção. Ruim pra você? Só se você não aprender como transformar estrabismo em algo sexy, careca em visual cool. Porque, se aprender, não vai ter Rodrigo Santoro que te encare (para o seu bem, leia esse exagero como licença poética). Ou, pelo menos, você não vai fazer feio. Mesmo não sendo bonito.