sábado, março 26, 2011

Não consigo deixar de pensar nisso. -Nisso o quê? -Como teria sido o mundo sem Colombo. Nós nem estaríamos aqui nesse botequim bebendo chope e papeando... -Então, salve Colombo! Deixe de pensar nele. Viva o presente e, principalmente, pague o que me deve. -Você não entendeu. Não estou pensando em Colombo. Estou pensando no que teria sido o mundo sem ele. -Com ele ou sem, os europeus iriam acabar chegando ao Rio de Janeiro e hoje alguém iria estar tomando chope em um botequim como esse. Tudo seria mais ou menos igual. Até um caloteiro como você iria existir. -Você está enganado. Sem Colombo, nós não estaríamos aqui. Sem ele, iria prevalecer o método de Portugal, que eram as cabotagens em torno da África e da Ásia. Um processo muito mais lento. Em qualquer lugar em que vissem mulher bonita, os portugueses paravam e se punham a fazer versos e a tocar suas guitarras. -Eles estavam certos, quer coisa melhor do que mulher, poesia e música? -Mas perceba as conseqüências. Seguindo as cabotagens, os portugueses chegariam ao Japão, como fizeram realmente, mas talvez demorassem muito mais para se arriscar em linha reta ao Oriente. Foi a loucura de Colombo que fez os portugueses virem direto para a América. Se dependesse deles, isso poderia ter demorado mais, quem sabe uns duzentos anos. -E daí? Um pouco antes, um pouco depois, terminaria tudo como estamos vendo agora. -De forma alguma. Sem as Américas, não haveria batatas no cardápio da Europa. Sem batatas, a população européia iria continuar passando fome, crescendo devagar. Não haveria o excedente que criou o exército de mão-de-obra de reserva, a mais valia. Não teria havido a Revolução Industrial. -Você não acha que está exagerando um pouco? -Claro que não. Sem Colombo, não teria havido luta de classes e as revoluções que balançaram o mundo no último século. -Aonde você quer chegar com essa conversa? -Ora, meu ponto de vista é claro. A ousadia de Colombo criou o mundo como o conhecemos. É preciso ser ousado, é preciso ir além do convencional. -Ainda não entendi o que quer dizer esse papo todo. -Bom, você mesmo podia ser mais ousado e fazer um gesto inesperado. Por exemplo, poderia perdoar essa dívida que veio me cobrar. -Tenha paciência. Está me achando com cara de Jesus Cristo? Essa conversa toda é apenas mais uma forma de você adiar o pagamento. Você está me enrolando. -Longe de mim essa idéia! Mas continuando nosso assunto, como teria sido a história do mundo sem Jesus Cristo? Você já pensou nas conseqüências?

sexta-feira, março 25, 2011

Quero Saber

Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com u te dou o meu
com uma condição: não nos compreender

quinta-feira, março 24, 2011

Atraso Pontual

Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relogio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vem sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço?

quarta-feira, março 23, 2011

Noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...

terça-feira, março 22, 2011

Todas as Opniões

Todas as opiniões que há sobre a Natureza
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor.
Toda a sabedoria a respeito das cousas
Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas;
Se a ciência quer ser verdadeira,
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?
Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.

segunda-feira, março 21, 2011

SONETO

A Frederico Nietzsche

Para que nesta vida o espírito esfalfaste
Em vãs meditações, homem meditabundo?
- Escalpelaste todo o cadáver do mundo
E, por fim, nada achaste... e, por fim, nada achaste!...

A loucura destruiu tudo o que arquitetaste
E a Alemanha tremeu ao teu gemido fundo!...
De que te serviu, pois, estudares profundo
O homem e a lesma e a rocha e a pedra e o carvalho e a haste?

Pois, para penetrar o mistério das lousas,
Foi-te mister sondar a substância das cousas
- Construíste de ilusões um mundo diferente,

Desconheceste Deus no vidro do astrolábio
E quando a Ciência vã te proclamava sábio,
A tua construção quebrou-se de repente!

domingo, março 20, 2011

O Teu Riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Sabonete

Em 1878, Harley Procter decidiu que a fábrica de vela e sabão fundada por seu pai deveria produzir um sabão novo, branco, cremoso e delicadamente perfumado para competir com os mais finos sabões corrosivos importados daquela época.

Como fornecedores de sabão para o Exército Federal durante a Guerra Civil, a empresa era apropriada para enfrentar tal desafio. O primo de Procter, o químico James Gamble, logo chegou à fórmula desejada.

Chamado simplesmente de "Sabão Branco", produzia uma rica espuma, mesmo em contato com a água fria, e tinha uma consistência homogênea e suave.

Certo dia, um trabalhador da fábrica que examinava os tanques de sabão parou para almoçar, esquecendo-se de desligar a máquina misturadora principal. Ao voltar, descobriu que havia sido injetado ar demais na solução de sabão. Em vez de jogar a substância fora, ele despejou-a em fôrmas de endurecimento e corte. Pedaços do primeiro sabão cheio de ar foram entregue a lojas da região.

Os consumidores adoraram. A fábrica ficou abarrotada de cartas solicitando mais daquele extraordinário sabão que não ficava perdido dentro da água escurecida porque flutuava em sua superfície. Ao perceber que se beneficiaram com o mero acidente, Harley Procter e James Gamble pediram que, a partir de então, fosse dada uma injeção extra de ar em todo sabonete.

Os primeiros pedaços do Sabão Mármore, como foi batizado o novo produto, apareceram em outubro de 1879, no mesmo mês em que Thomas Edison testou com sucesso a lâmpada elétrica. Harley Procter previu que a luz elétrica poderia acabar de uma vez com a seu lucrativo negócio de velas, e assim decidiu promover o seu sabonete.

Leis Curiosas

Palestina
As mulheres da Faixa de Gaza são proibidas de fumarem narguilé em locais públicos. Segundo o grupo islâmico Hamas, que criou a proibição, as mulheres fumando contrariam às tradições e normas sociais.

Alemanha
A cidade de Fluorn-Winzeln é oficialmente uma “zona livre de Papai Noel”. Isso significa que a imagem do bom velhinho fica proibida no local, até mesmo na época de Natal. O objetivo é resgatar a figura histórica de São Nicolau.

Croácia
Por causa da crise financeira de 2008, o governo decidiu proibir as festas de fim de ano no país. Natal e Ano Novo tiveram de passar em branco, com o objetivo de reduzir os gastos dos cidadãos.

Irã
A polícia proibiu as vitrines com gravatas e roupas íntimas femininas. As roupas íntimas de mulher só podem ser expostos em manequins no interior da loja, mas com a condição de não haver vendedores homens no estabelecimento.

O governo também proibiu os homens de usarem cabelos compridos. Foi lançada até uma cartilha com os cortes de cabelo permitidos para os homens. Penteados com rabo-de-cavalo, claro, ficaram de fora.

Nepal
Os funcionários do Aeroporto Internacional de Katmandu são proibidos de trabalhar usando calças com bolso. O objetivo da proibição é acabar com a prática do suborno.

sábado, março 19, 2011

Escova de Dentes

A escova mais antiga de que se tem notícia foi encontrada numa tumba egípcia de 3 mil anos a.C. Era um pequeno ramo com ponta desfiada até chegar às fibras, que eram esfregadas contra os dentes. A primeira escova de cerdas, parecida com a que conhecemos, surgiu na China, no fim do século XV. Feita de pêlo de corpo, as cerdas eram amarradas em varinhas de bambu ou pedaços de ossos. Muito tempo depois, percebeu-se que as escovas de pêlos de animais juntavam umidade, prejudicial à higiene da boca, por causar mofo. Além disso, as extremidades pontiagudas das cerdas feriam as gengivas. O problema seria resolvido com o surgimento da escova de dentes com cerdas de náilon, em 1938, nos Estados Unidos.

A escova de dente elétrica tinha design suíço, mas foi desenvolvida nos Estados Unidos, em 1961, pela empresa Squibb. O nome da escova era Broxodent.

As primeiras referências a um "fio de seda encerado" para limpar as sujeiras dos dentes e da gengiva são de 1850. Mas o fio dental só ganharia força depois de ter sido lançado pela Johnson & Johnson em 1896. Durante a Segunda Guerra Mundial, como a seda era destinada à fabricação de pára-quedas, o fio dental foi feito com náilon. Na década de 1970, apareceu o fio dental com sabor.

Dizes-me

Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,

Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?

sexta-feira, março 18, 2011

Pela Volta da Carta de Amor

A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos, despeço-me por aqui, papel pautado, pelos Correios, portadores ou menino de recados. A carta, como canta o rei Roberto, escreva uma carta de amor, e diga alguma coisa por favor.

Pela volta da carta de amor.

Chega de emails lacônicos e apressados. Debruce a munheca sobre o papiro e faça da tinta da caneta o seu próprio sangue.

Não temas a breguice, o romantismo, como já disse o velho Pessoa, travestido de Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem.

A carta, mesmo com todas as modernidades e invencionices, ainda é o melhor veículo para declarar-se, comunicar afinidades e iniciar um feitio de orações.

O que você está esperando, vá ali na esquina, compre um belo papel e envelopes, e se devote. Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois perdão por escrito vale como documento de cartório.

Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas e internéticas e atire a garrafa aos mares. Uma boa carta de amor é irresistível. Mas não vale copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com a língua, como nas antigas, lamba os selos, esse pré-beijo dos lábios da futura amada.

De novo Pessoa, para encorajá-los mais ainda: “As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”.
Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da assinatura.

Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que recebi outro dia de Fábio Victor, escriba e amigo do Recife que habita a velha e fria Londres.

Que os amigos,e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos envelopes no fundo do baú as suas histórias de vida.

Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene.

O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas.

Um namoro, romance ou cacho somente à base de emails não se sustenta, mais parece uma troca de ofícios, “venho por meio desta”, uma troca de protocolos, mensagens comerciais. Um amor sem uma troca de cartas, nem que seja bem rápida, ainda não é amor... O que você está esperando? Vamos lá, cabrón, adelante chica, papel, tinta e derramamento, faz favor!

Cosméticos

A palavra cosmético vem do grego kosmetikós, que significa "o que serve para ornamentar". Os cosméticos surgiram no Oriente na Antiguidade e se espalharam pelo resto do mundo. Usavam-se óleos, essências de rosa e de jasmim e tinturas para os cabelos. A alta sociedade de Roma tomava banhos com leite de jumenta para embelezar a pele. Na Idade Média, o açafrão servia para colorir os lábios; o negro da fuligem, para escurecer os cílios; a sálvia, para esbranquecer os dentes; a clara de ovo e o vinagre, para aveludar a pele.

Mas os cosméticos enfrentaram vários obstáculos ao longo da história. Uma lei grega do século II proibia que as mulheres escondessem sua verdadeira aparência com maquiagem antes do casamento. A legislação draconiana, adotada pelo Parlamento britânico em 1770, permitia a anulação do casamento se a noiva estivesse de maquiagem, dentadura ou cabelo falso. Nos anos seguintes, no entanto, a maquiagem pesada tomou conta da Inglaterra e da França. Até que a febre passou após a Revolução Francesa. Só se admitia que pessoas mais velhas e artistas de teatro usassem. Em 1880, a maquiagem reconquistou as mulheres e nascia a moderna indústria de cosméticos.

Os pós faciais, que surgiram em 4 000 a.C. na antiga Grécia, eram perigosos porque tinham uma grande quantidade de chumbo em sua composição e chegaram a causar várias mortes prematuras. O rouge era um pouco mais seguro. Embora fosse feito com amoras e algas marinhas, substâncias naturais, sua cor era extraída do cinabre (sulfeto de mercúrio), um mineral vermelho. O mesmo rouge era usado nos lábios, como batom, onde era mais facilmente ingerido e também causava envenenamento.

O costume de pintar as unhas nasceu na China, no século III a.C. As cores do esmalte indicavam a classe social do indivíduo. Os primeiros eram feitos de goma arábica, clara de ovo, gelatina e cera de abelha. Os reis pintavam as unhas com as cores preta e vermelha, depois substituídas pelo dourado e pelo prateado. No Egito antigo, a tradição se repetiu.

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Se minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

sexta-feira, março 11, 2011

Quindins na Portaria

Estava lendo o novo livro do Paulo Hecker Filho, Fidelidades, onde, numa de suas prosas poéticas, ele conta que, antigamente, deixava bilhetes, livros e quindins na portaria do prédio do Mario Quintana: "Para estar ao lado sem pesar com a presença". Há outras histórias e poemas interessantes no livro, mas me detive nesta frase , porque não pesar os outros com nossa presença é um raro estalo de sensibilidade.

Para a maioria das pessoas, isso que chamo de um raro estalo de sensibilidade tem outro nome: frescura. Afinal, todo mundo gosta de carinho, todo mundo quer ser visitado, ninguém pesa com sua presença num mundo já tão individualista e solitário. Ah, pesa... Até mesmo uma relação íntima exige certos cuidados. Eu bato na porta antes de entrar no quarto das minhas filhas e na de meu próprio quarto, se sei que está ocupado. Eu pergunto para minha mãe se ela está livre antes de prosseguir com uma conversa por telefone. Eu não faço visitas inesperadas a ninguém, a não ser em caso de urgência, mas até minhas urgências tive a sorte de que fossem delicadas. Pessoas não ficam sentadas em seus sofás aguardando a chegada do Messias, o que dirá a do vizinho. Pessoas estão jantando. Pessoas estão preocupadas. Pessoas estão com o seu blusão preferido, aquele meio sujo e rasgado, que elas só usam quando ninguém está vendo. Pessoas estão chorando. Pessoas estão assistindo a seu programa de tevê favorito. Pessoas estão se amando. Avise que está a caminho. Frescura, jura? Então tá, frescura, que seja.

Adoro e-mails justamente porque são sempre bem-vindos, e posso retribuí-los sabendo que nada interromperei do lado de lá. Sem falar que encurtam o caminho para a intimidade. Dizemos pelo computador coisas que face a face seriam mais trabalhosas. Por não ser ao vivo, perde o caráter afetivo? Nem se discute que o encontro é sagrado. Mas é possível estar ao lado de quem a gente gosta por outros meios. Quando leio um livro indicado por uma amiga, fico mais próxima dela. Quando mando flores, vou junto com o cartão. Já visitei um pequeno lugarejo só para sentir o impacto que uma pessoa querida havia sentido, anos antes. Também é estar junto. Sendo assim, bilhetes, e-mails, livros e quindins na portaria não é distância: é só um outro tipo de abraço.
Sinta-se abraçado.

quinta-feira, março 10, 2011

Interesseiros

Nunca sei até onde vale a pena conhecer pessoas interessantes. Fico sempre no limite entre o interesse e o arrependimento.

Porque elas sempre vão conseguir (mesmo sem querer) fazer com que você queira conversar mais, saber mais, olhar mais, admirar mais.

Problema é que o nosso querer "mais" pode gerar duzentas interpretações diferentes. E aí corremos o risco de perder uma grande amizade ou uma grande paixão por causa de uma má interpretação.

Começamos a nos contentar com menos. Cada vez menos.

E menos tempo ao lado dessas pessoas significa menos histórias para conhecer, menos experiências para compartilhar, menos cafés para tomar, menos restaurantes para escolher, menos lugares para visitar e bem menos cervejas e copos de uísque para esquentar toda essa frieza da cidade grande.

É difícil reconhecer quando somos nós com medo de dar um passo adiante ou quando são elas com medo de permitir esse passo.

Veja como é curioso: em geral, por causa de frustrações passadas e nem sempre devidamente enterradas, às vezes basta um elogio mais efusivo ou um abraço mais apertado para transformar duas pessoas inteligentes em dois bobinhos prontos para fugir.

Uma das (poucas) desvantagens de conhecer muita gente e andar por muitos lugares é que você começa a achar que as pessoas interessantes estão sempre de passagem.

É uma espécie de proporcionalidade humana. Às vezes são três dias, três meses ou três anos. Às vezes são três horas até o avião decolar.

No meio da multidão de formigas (e toupeiras) humanas que você encontra diariamente, a proporcionalidade lhe ensina que não se deve deixar uma pessoa assim ir embora tão fácil.

Mas elas sempre se vão. Nem sempre porque deixamos. Às vezes voltam. Às vezes desaparecem como se nunca tivessem existido.

Só o interesse da gente que permanece.

quinta-feira, março 03, 2011

Nome das Coisas

Outro dia fui comprar um abajur. A mocinha me olhou e perguntou:
- Luminária?
Eu olhei em volta, tinha uma porção de abajur.
- Não, abajur mesmo, eu disse.
- De teto?
Fiquei olhando meio pasmo para a vendedora, para o teto, para a rua. Ou eu estava muito velho ou ela estava muito nova.
-No meu tempo - e isso faz pouco tempo - o abajur a gente punha no criado-mudo, na mesinha da sala. E lá em cima era lustre.
- Lustre?
Descobri que agora é tudo luminária. Passou por spot, virou luminária.
Pra mim isso é pior que bandeirinha virar auxiliar de arbitragem, e passe (no futebol) chamar-se agora assistência. Quem são os idiotas que ficam o dia inteiro pensando nessas coisas? Mudar o nome das coisas? Por que eles não mudam o próprio nome? A mocinha-da-luminária, por exemplo, se chamava Mariclaire. Desconfio até que já tivesse mudado de nome.
Pra que mudar o nome das coisas? Eu moro numa rua que se chama Rodovia Tertuliano de Brito Xavier. Sabe como se chamava antes? Caminho do Rei. Pode? Pode! Coisa de vereador com minhoca na cabeça e tio para homenagear.
Mas lustres e abajur, gente, é demais.
Programação de televisão virou grade. Deve ser para prender o espectador mais desavisado.
Entrega em domicílio virou delivery. Agenda de correio, mailing. São os publicitários, os agentes de 'marquetingui'?
Quer coisa mais bonita do que criado-mudo? Existe nome melhor para aquilo? Pois agora as lojas vendem mesa-de-apoio. Considerando-se a estratégica posição ao lado da cama, posso até imaginar para que tipo de apoio serve.
Antigamente virava-se santo, agora vira-se beato, como se já não bastassem todas as carolas beatas que temos por aí.
Mudar o nome de deputado para putado ninguém tem coragem, né? Nem de senador para sonhador. Sonhadores da República, não soa bem? E uma bancada de putados?
A turma dos dez por cento agora se chama lobista! E a palavra não vem de lobo, mas parece.
E por que é que agora as aeromoças não querem mais ser chamadas assim? Agora são comissárias. Não entendo: a palavra comissária vem de comissão, não é? Aeromoça é tão bom e terno como criado-mudo. Pior se as aeromoças virassem moças-de-apoio, taí uma idéia.
E tem umas palavras que surgem de repente do nada.
Luau - Isso é novo. Quando eu era jovem, se alguém falasse essa palavra ou fosse participar de um luau, era olhado meio de lado. Era pior que tomar vinho rosê. Coisa de bicha, isso de luau.
Mas a vantagem de ser um pouco mais velho é saber que o computador que hoje todo mundo tem em casa e que na intimidade é chamado de micro, nasceu com o nome de cérebro-eletrônico. Sabia dessa? E sabia que o primeiro computador, perdão cérebro-eletrônico, pesava 14 toneladas? E que, na inauguração do primeiro, os gênios da época diziam que, a té o final do século, se poderia fazer computadores de apenas uma tonelada?
Outra palavrinha nova é stress. Pode ter certeza, minha jovem, que, antes de inventarem a palavra, quase ninguém tinha stress. Mais ou menos como a TPM. Se a palavra está aí a gente tem de sofrer com ela, não é mesmo? No meu tempo o máximo que a gente ficava era de saco cheio. Estressado, só a turma do Luau.
E agora me diga: por que é que em algumas casas existe jardim de inverno e não jardim de verão?
E se você quiser mudar o nome desta crônica para lingüiça, pode???

AMOR-O INTERMINÁVEL APRENDIZADO

Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado. Se enganava. Se enganava porque o aprendizado de amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado. Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como ali já não se saciara. De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos. Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram. Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor. O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava. Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão. O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina. Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal. O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final. Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não. Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não. Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não. E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não. Absurdo. Como pode o amor não coincidir consigo mesmo? Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente. Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente. Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado. Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado. O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado. Optou por aceitar a sua ignorância. Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado. E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.

FEMINISMO ÀS AVESSAS.

A mais importante líder e intelectual feminista do mundo, Gloria Steinem, em entrevista à revista República, disse uma frase que resume o futuro do feminismo no próximo milênio: "Progredimos muito em convencer a população de que as mulheres podem fazer o que os homens fazem, mas ainda nem começamos a demonstrar que os homens podem fazer o que as mulheres fazem". É uma idéia que sempre me rondou. As mulheres já conquistaram sua posição no mercado de trabalho e isso é um caminho sem volta. Através da independência financeira e da auto-estima conquistada, alteraram-se as relações familiares, a vida sexual, as leis e até mesmo alguns valores religiosos. A mulher veio para mudar, e mudou. Muito. Mas não tudo. Ela trabalha fora, mas continua trabalhando dentro, e sozinha. Haverá igualdade plena no próximo milênio? Cabe aos homens responder. Algum tempo atrás escrevi que a maternidade e a vida doméstica eram as vantagens do homem sobre a mulher, e são. Enquanto as mulheres monopolizarem a criação de filhos e a administração da casa, estarão sempre com dois corações em seu ambiente profissional. Alguns poucos casais já compreenderam isso e dividem, sim, as idas ao super e à cozinha, as reuniões na escola e as consultas ao pediatra, a arrumação da cama e a lavagem de louça. Está provado: assim como as mulheres podem fazer o que os homens fazem, sendo policiais, pilotos de boeing e garis, os homens também podem fazer o que as mulheres fazem. Resta saber se eles querem. Para as mulheres sempre foi vantagem executar um trabalho dito masculino: era a maneira de ter autonomia financeira e vida inteligente além das quatro paredes de casa. Porém, aos homens parecem menos visíveis as vantagens de repartir as tarefas domésticas, mesmo elas não sendo poucas: conviver mais com os filhos, não sentir-se apenas um provedor e ter uma vida menos estressante. A saída é educar os garotos que estão nascendo hoje para que, ao tornarem-se adultos, construam relações afetivas com comunhão de responsabilidades. Só assim o próximo milênio não será a era das supermulheres, e sim dos supercasais.