quinta-feira, dezembro 23, 2010

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Trepadeiras Natalinas

O que eu mais gosto do Natal é que eu detesto Natal. Logo, não preciso inventar desculpa ou matar algum parente pela terceira vez no mesmo ano para não ir às confraternizações onde há o maior número de inimigos por cadeira quadrada.

Fujo de eventos assim o ano inteiro. Dividir uma cerveja é um ato sagrado de contrição espiritual e minha religião não permite participar desse ritual com lobos que viram cordeiros só porque é Natal. Me dá uma ressaca dos infernos.

Veja você. Aqui na ruazinha onde morei por cinco anos alternados, no centro deste Recife limpo e cheiroso, há um grupo de cheira-colas que dormem por lá desde sempre. Às vezes aumenta, às vezes diminui, mas sempreteve.

Fazem parte da paisagem e até me chamam pelo nome, pois geralmente o único bêbado sem noção que tem coragem de passar por ali de madrugada sou eu, confiante no meu crachá subjetivo de "mantenha distância, sou cidadão nativo, bêbado local".

Até quando não sei, mas até hoje funciona. Embora desconfie que o pão com mortadela e a garapa de uva que costumo pegar no caminho de volta e deixar pela ruazinha sejam, de fato, minha moeda de isenção.

Há poucos dias, regresso ao lar de madrugada, tropeçando como de costume, e vejo cinco pessoas distribuindo sopas e presentinhos, crentes de que são a encarnação do papai noel 2.0 com banda larga da GVT.

Cenas assim a gente vê durante toda a semana de Natal. Os jornais não facilitam, todo dia é a primeira página ou reportagem incentivando as pessoas a ajudar o próximo, histórias emocionantes, casos fantásticos e, lógico, todo mundo fazendo caixinha de natal nas confraternizações para "ajudar o próximo".

O único problema é que no dia 25 de dezembro o Natal já passou e as primeiras páginas voltam a ser como era. E os cordeirinhos voltam a ser lobos.

Sobre aqueles cinco papai noel 2.0 aqui no meu bucólico bairro, fico muito curioso em perguntar: onde eles estavam durante os outros 360 dias do ano?

Ninguém nunca viu, viu doutor.

Depois da sopa e do pãozinho, cada um entra em seu Tucson ou Hilux 4x4 e vai tomar água de coco na praia de Boa Viagem, reclamando do absurdo que foi o aumento de 1 real no preço do coco gelado agora em dezembro.

Minhas senhoritas, vocês querem ajudar alguém de verdade? O melhor presente de Natal é você sair com aquele pentelho que passa o ano inteiro azucrinando seu juízo para tomar uma cerveja depois do expediente.

Coitado, ele passa 365 dias chamando você para sair, se insinuando todo, mas você não dá a menor bola. Ele pode ser fraco de feição, tudo bem, talvez não seja um gênio da raça e nem faça você rir, mas ele lhe deseja tanto e persiste tanto que talvez seja a hora de pensar em dar um presente de Natal. Dê você. Se dê.

Calcule quanta felicidade esse mundo de mulheres solteiras (ou não) fariam se o presente de Natal delas fosse uma cerveja com final feliz.

Quem ganhar o presente começaria o ano com pé esquerdo, quiçá passaria a ajudar mais as pessoas que dormem na rua a partir do próximo ano sem esperar a primeira página do jornal avisar que é tempo de ajudar o próximo.

E o melhor desta trepadeira natalina é que ele nunca irá perguntar onde você estava o resto do ano. Porque é Natal e no Natal a gente fica assim, bondoso, cheio de amor para dar até o réveillon.

Vai que num desses presentinhos você até encontra uma criatura um pouco menos burra e um pouco menos fraca de feição para passar o réveillon?

Ele pode estar aí do seu lado, talvez na sua lista de contatos do MSN ou do Facebook, sempre deixando um recadinho maroto sem nunca ganhar sequer uma resposta no mural.

Não custa tentar e, melhor de tudo, nem ressaca moral você vai ter. No dia seguinte, basta se olhar no espelho e saber que fez alguém feliz.

SACANAGEM

Esta é a semana dos namorados, mas não vou falar sobre ursinhos de pelúcia nem sobre bombons. É o momento ideal pra falar de sacanagem.

Se dei a impressão de que o assunto será ménages à trois, sexo selvagem e práticas perversas, sinto muito desiludí-lo. Pretendo, sim, é falar das sacanagens que fizeram com a gente.

Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é racionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais rápido.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um", duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Ninguém nos disse que chinelos velhos também têm seu valor, já que não nos machucam, e que existe mais cabeças tortas do que pés.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que poderíamos tentar outras alternativas menos convencionais.
Sexo não é sacanagem. Sexo é uma coisa natural, simples - só é ruim quando feito sem vontade. Sacanagem é outra coisa. É nos condicionarem a um amor cheio de regras e princípios, sem ter o direito à leveza e ao prazer que nos proporcionam as coisas escolhidas por nós mesmos.

terça-feira, dezembro 21, 2010

Virgindade Emocional

Todo mundo sabe o que é sexo. Nasce intuindo e em seguida vira PhD, pois basta ligar a tevê ou abrir uma revista e as informações caem no nosso colo com riqueza de detalhes. Masturbação, sexo oral, ponto G, preliminares, orgasmos múltiplos: você pode ser virgem na prática, mas sabe tudo na teoria e vai mandar bem quando chegar sua vez.

A pessoa virgem têm suas dúvidas, claro, e cria algumas fantasias antes da estréia, mas logo descobre que sexo é uma atividade saudável, prazerosa e que fica melhor com o tempo. Não tem muito mistério. O problema é quando se é virgem no coração.

Virgindade emocional não tem a ver com juventude. Você pode ter vida sexual ativa desde os 14 anos e chegar aos 30 sem saber nada sobre o amor.

Pode ter transado com dezenas de pessoas e uma que nunca lhe encostou um dedo abalar você de forma surpreendente. Pode estar casado e com filhos, achando-se o bambambam dos relacionamentos, e ser nocauteado por uma paixão que põe por terra todas as suas certezas. Podemos ser experts em sexualidade, mas passamos a vida engatinhando quando o assunto é amor.

De certa maneira, é uma virgindade que não se extingüe. Mesmo os mais experientes, aqueles que já amaram muitas vezes, até esses podem ser flagrados em uma situação-limite. A primeira vez em que se é deixado. A primeira vez que ficamos fragilizados com a ausência de uma pessoa. A primeira vez que sentimos um ciúme doentio. A primeira vez que ficamos dependentes de uma relação. A primeira vez que alguém fica dependente de nós. A primeira vez que traímos. A primeira vez que somos traídos. Tudo isso é um aprendizado muito mais intenso do que o sexo, e muito mais demorado.

Se isto parece assustador, por outro lado é excitante saber que ainda existe muito terreno a ser explorado, muitas lições para serem aprendidas, muitas posições a serem adotadas diante de um impasse amoroso, posições que nada tem a ver com o Kama Sutra. Não há manual de instruções para o amor, não há reportagem que nos ensine a melhor performance. Emocionalmente, por mais que já tenhamos vivido, seremos sempre um pouco virgens, aguardando a próxima primeira vez.

O que é científico?

Era uma vez um jovem que amava xadrez. Sua vocação era o xadrez. Jogar xadrez lhe dava grande prazer. Queria passar a vida jogando xadrez. Nada mais lhe interessava. Só lia livros de xadrez. Estudava as partidas dos grandes mestres. Só conversava sobre xadrez. Quando era apresentado a uma pessoa sua primeira pergunta era: Você joga xadrez? Se a pessoa dizia que não ele imediatamente se despedia. Tornou-se um grande mestre. Mas o seu sonho era ser campeão.
Derrotar o computador. Até mesmo quando andava jogava xadrez. Por vezes, aos pulos para frente. Outras vezes, passinhos na diagonal. De vez em quando, dois pulos para frente e um para o lado. As pessoas normais fugiam dele porque ele era um chato. Só falava sobre xadrez. Nada sabia sobre as coisas do mundo como pombas, beijos e sambas. Não conseguia ter namoradas porque seu único assunto era xadrez. Suas cartas de amor só falavam de bispos, torres e roques. Na verdade ele não queria namoradas.
Queria adversárias. Essas coisas como jogo de damas, jogos de baralho, jogo de peteca, jogo de namoro eram inexistentes no seu mundo. Inclusive, entrou para uma ordem religiosa. Eu viajei ao lado dele, de avião, de São Paulo para Belo Horizonte. Cabeça raspada.
Durante toda a viagem rezou o terço. Não prestei atenção mas suspeito que as contas do seu terço eram peões, cavalos e bispos. Sua metafísica era quadriculada. Deus é o rei. A rainha é nossa senhora. O adversário são as hostes do inferno.
As pessoas normais brincam com muitos jogos de linguagem: jogos de amor, jogos de poder, jogos de saber, jogos de prazer. jogos de fazer, jogos de brincar. Porque a vida não é uma coisa só. A vida é uma multidão de jogos acontecendo ao mesmo tempo, uns colidindo com os outros, das colisões surgindo faiscas. Uma cabeça ligada com a vida é um festival de jogos. E é isso que faz a inteligência. Mas o nosso heroi, coitado, era cabeça de um jogo só. Jogava o tal jogo de maneira fantástica. Especializou-se. Sabia tudo sobre o assunto. E, de fato, sabia tudo sobre o mundo do xadrez. Mas o preço que pagou é que perdeu tudo sobre o mundo da vida. Virou um computador ambulante, computador de um disquete só. Disquetes são linguagens. O corpo humano, muito mais inteligente que os computadores, é capaz de usar muitos disquetes ao mesmo tempo. Ele passa de um programa para outro sem pedir licença e sem pensar. Simplesmente pula, alta.
Inteligência é isso: a capacidade de pular de um programa para outro, de dançar muitas danças ao mesmo tempo. O humor se nutre desses pulos. O riso aparece no momento preciso em que a piada faz a inteligência pular de uma lógica para uma outra. Há a piada dos dois velhinhos que foram ao gerontologista que, depois de examiná-los, prescreveu uma dieta de comidas e remédios a ser seguida por duas semanas. Passadas as duas semanas, voltaram. O resultado deixou o médico estupefato. A velhinha estava linda: sorridente, saltitante, toda maquiada. O velhinho, um caco, trêmulo, pernas bambas, dentadura frouxa, apoiado na mulher. Como explicar isso, que uma mesma receita tivesse produzido resultados tão diferentes? Depois de muito investigar o médico atinou com o acontecido. "- Mas eu mandei o senhor comer avêia três vezes por dia e o senhor comeu avéia três vezes por dia?" O riso aparece no jogo de ambiguidade entre avêia e avéia. O nosso heroi nunca ria de piadas porque ele só conhecia a lógica do xadrez, e o riso não está previsto no xadrez. A inteligência do nosso heroi não sabia pular. Ela só marchava. Faz muitos anos, um filósofo chamado Herbert Marcuse escreveu um livro ao qual deu o título de O homem unidimensional . O homem unidimensional é o homem que se especializou numa única linguagem e vê o mundo somente através dela. Para ele o mundo é só aquilo que as redes da sua linguagem pegam. O resto é irreal.

A ciência é um jogo. Um jogo com suas regras precisas. Como o xadrez. No jogo do xadrez não se admite o uso das regras do jogo de damas. Nem do xadrez chinês. Ou truco. Uma vez escolhido um jogo e suas regras, todos os demais são excluidos. As regras do jogo da ciência definem uma linguagem. Elas definem, primeiro, as entidades que existem dentro dele. As entidades do jogo de xadrez são um tabuleiro quadriculado e as peças. As entidades que existem dentro do jogo lingüístico da ciência são, segundo Carnap, "coisas-físicas", isso é, entidades que podem ser ditas por meio de números. Esses são os objetos do léxico da ciência. Mas a linguagem define também uma sintaxe, isso é, a forma como as suas entidades se movem. Os movimentos das peças do xadrez são definidos com rigor. E assim também são definidos os movimentos das coisas físicas do jogo da ciência.
Kuhn, no seu livro Estrutura das Revoluções Científicas, diz que os cientistas fazem ciência pelos mesmos motivos que os jogadores de xadrez jogam xadrez: querem todos provar-se "grandes mestres".
Para se atingir o nível de "grande mestre" no xadrez ou na ciência é necessária uma dedicação total. Conselho ao cientista que pretende ser "grande mestre": lembre-se de que, enquanto você gasta tempo com literatura, poesia, namoro, em conversas no bar DALI, há sempre um japonês trabalhando no laboratório noite adentro . É possível que ele esteja pesquisando o mesmo problema que você. Se ele publicar os resultados da pesquisa antes de você, ele, e não você, será o "grande mestre."
O pretendente ao título de "grande mestre" deve se dedicar de corpo e alma ao jogo da ciência. O cientista que assim procede ficará com conhecimentos cada vez mais refinados na sua área de especialização: ele conhecerá cada vez mais de cada vez menos. Mas, à medida que o seu "software" de linguagem científica se expande, os outros "softwares" vão se atrofiando. Por inatividade. O cientista se transforma num "homem uni-dimensional": vista apurada para explorar a sua caverna, denominada "área de especialização", mas cego em relação a tudo o que não seja aquilo previsto pelo jogo da ciência. Sua linguagem é extremamente eficaz para capturar objetos físicos. Totalmente incapaz de capturar relações afetivas. Se não houvesse homens no mundo, se o mundo fosse constituido apenas de objetos, então a linguagem da ciência seria completa. Acontece que os seres humanos amam, riem, têm medo, esperanças, sentem a beleza, apaixonam-se por ideais. Meteoros são objetos físicos. Podem ser ditos com a linguagem da ciência. A ciência os estuda e examina a possibilidade de que, eventualmente, um deles venha a colidir com a terra.
Dizem, inclusive, que foi um evento assim que pôs fim aos dinossauros. A paixão dos homens pelos ideais não é um objeto físico. Não pode ser dita com a linguagem da ciência. No entanto, ela é um não-objeto que têm poder para se apossar dos homens que, por causa dela se tornam heróis ou vilões, fazem guerra e fazem paz. Mas um projeto de pesquisa sobre a paixão dos homens pelos idéias não é admissível na linguagem da ciência. Não não seria aceito para ser publicado numa revista científica indexada internacional. Não é científico.
A ciência é muito boa - dentro dos seus precisos limites. Quando transformada na única linguagem para se conhecer o mundo, entretanto, ela pode produzir dogmatismo, cegueira e, eventualmente, emburrecimento.

domingo, dezembro 19, 2010

o Miojo do amor e da ansiedade

Se uma das broncas clássicas e recentes das mulheres era o tal do telefonema do dia seguinte, na última década o problema degringolou geral. Agora é o scrap da meia hora depois, o emoticon simultâneo, o post à queimaroupa, o torpedo do minuto seguinte…
A dona Maria da ansiedade, essa maluca arrepiada que nos acompanha o dia inteiro e ainda dorme ao nosso lado -quando nos deixa dormir direito, claro-, ganhou uma velocidade que mais parece filme de ficção cinetífica.
Coitado do sr. Graham Bell, o inventor do telefone, que ainda no século 19 achava que iria deixar todo mundo pirado e inquieto com o seu brinquedinho. Mal sabia o ritmo que ganharia nossa inquietação nos anos 00, com a vingança do mundo em sua versão mais nerd.
Eis uma das grandes lições da década. E quando junta essa ansiedade a mil com a paixão, que naturalmente já é um sentimento de emergência que só anda de ambulância -e na contramão-, aí é que desparafusa geral o cocuruto.
É, amiga, sem falar na velocidade do sexo virtual, que também entra nas grandes lições da banda larga. Em cinco munitos a coisa ferve, cheira, sai fumaça e você mata a fome em uma espécie de miojo sentimental digno e sintomático dos nossos tempos e vontades instantâneas.
Para os rapazes, então, mestres antigos na arte do gozo precoce e da falta de atenção, mal levanta a fervura e jáera, partem para a próxima emoção express.
O melhor de tudo é que você, garota esperta, virou o jogo contra o marchismo, outra grande lição recente da história, e aprendeu a deixar esses marmanjos literalmente na mão.

terça-feira, dezembro 07, 2010

A Batata da Verdade

Pelo tamanho e diâmetro da canela, a gente sabe com precisão quase científica se as pernas de uma mulher são bonitas. Pela dobrinha do braço, é possível identificar a consistência das costas e do tronco inteiro.

Pelos dedos da mão, a gente sempre acerta a margem da idade, mesmo com cirurgia plástica. E acredite: apenas ao observar os ombros de uma mulher, é possível saber se ela tem o bumbum bonito. Independente da roupa.

É uma arte. Cada vez mais esquecida, pois parece que temos cada vez menos tempo para admirar de verdade as pessoas.

Dos dedos do pé à raíz dos cabelos. Analisar cada centímetro, sentir cada cheiro e identificar cada ângulo de olhar que sempre vai expressar um sentimento diferente.

Talvez porque hoje ninguém precise observar mais nada diante das microssaias, dos decotes até o umbigo e dos biquinis invisíveis.

A sutileza das curvas escafedeu-se.

Mas ainda resta outra frente nada sutil. Esqueça a batata da perna e observe a batata que ela come durante as refeições.

Uma mulher fresca, por exemplo, nunca vai sentar com você no mercado público para comer rabada, mão de vaca, patinho com feijão.

As inseguras nunca experimentaram, sequer uma vez na vida, mas já têm toda a certeza do mundo que não vão gostar da costelinha de porco com limão. As donzelas da zona sul quiçá sabem o que é chambaril, mas não querem provar porque o prato é... feio. Simplesmesnte assim, é feio.

Não precisa gostar. Só precisa provar. É para isso (também) que a gente tem cabelos brancos e uma pancinha saliente: para apresentar um maravilhoso mundo novo e já experimentado a vocês.

Talvez ela fique com peso na consciência. E resolva lhe impressionar. Sábado, vai lhe convidar para uma feijoada.

Dê uma chance, mas pode anotar: é batata. Você vai terminar parando nessas feijoadas higiênicas, última moda da gastronomia popular voltada aos novos ricos da cidade grande.

É a feijoada servida em estilo buffet, com todos os ingredientes higienicamente organizados em prateleiras individuais. Podem chamar isso de qualquer coisa, menos de feijoada. Pode ser uma delícia, mas é um buffet de feijão para emergentes.

No prato da criatura, fique atento, pois também é batata: ela vai deixar de fora o pé de porco, joelho, torresmo e todas as iguarias sui generis de uma feijoada de verdade.

Possivelmente, no prato alheio você encontra apenas o feijão (com pouco caldo, porque farinha seria palafitagem demais para ela) e rodelas de paio ou linguíça. Freud explica?

Agora, meu nobre cidadão, pergunte a si mesmo o seguinte:

Se um dia você quiser pegar a estrada sem rumo na vida, acampar na montanha, trabalhar no Alasca ou na Sibéria, passar um fim de semana na praia sem energia elétrica e água encanada, morar dentro de um barco... será que esta cidadã irá lhe acompanhar?

Sem a trituradeira de frutas Walita, sem a cafeteira elétrica, sem o colchão ortopédico, sem o travesseiro da Nasa, sem o chá verde industrializado, sem a pipoca sabor "manteiga light" de microondas...?

Não está satisfeito? Faça o teste da batata universal. Carregue sua donzela para o rodízio mais próximo.

Veja bem, ninguém é obrigado a comer demais só porque é rodízio ou porque é caro. Pelo contrário, admiro de verdade as mulheres que comem pouco - acho ótimo, sempre sobra mais para mim. E também porque, na condição de ateu, sou temente a deus que deixar comida no prato é pecado.

Mas quando o garçom passa com o espeto da coxa de frango, do galeto, e ela pede um pedaço... o que você vai fazer?

Comer coxa de frango em rodízio é o marco regulatório que separa os homens das crianças. Toda pessoa que não foi criada numa bolha sabe disso.

E se você pede uma picanha e ela pergunta na churrascaria se tem sushi, você ainda vai duvidar que é batata?

E olha que nem tenho mais espaço para falar dessa tal de caipirosca nevada.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Perguntas

Quantas vezes você andava na rua e sentiu um perfume e lembrou de alguém que gosta muito?
Quantas vezes você olhou para uma paisagem em uma foto, e não se imaginou lá com alguém...
Quantas vezes você estava do lado de alguém, e sua cabeça não estava ali?
Alguma vez você já se arrependeu de algo que falou dois segundos depois de ter falado?
Você deve ter visto que aquele filme, que vocês dois viram juntos no cinema, vai passar na TV...
E você gelou porque o bom daquele momento já passou...
E aquela música que você não gosta de ouvir porque lembra algo ou alguém que você quer esquecer mas não consegue?
Não teve aquele dia em que tudo deu errado, mas que no finzinho aconteceu algo maravilhoso?
E aquele dia em que tudo deu certo, exceto pelo final que estragou tudo?
Você já chorou por que lembrou de alguém que amava e não pôde dizer isso para essa pessoa?
Você já reencontrou um grande amor do passado e viu que ele mudou?
Para essas perguntas existem muitas respostas...
Mas o importante sobre elas não é a resposta em si...
Mas sim o sentimento...
Todos nós amamos, erramos ou julgamos mal...
Todos nós já fizemos uma coisa quando o coração mandava fazer outra...
Então, qual a moral disso tudo?
Nem tudo sai como planejamos portanto, uma coisa é certa...
Não continue pensando em suas fraquezas e erros, faça tudo que puder para ser feliz hoje!
Não deite com mágoas no coração.
Não durma sem ao menos fazer uma pessoa feliz!
E comece com você mesmo!!!

O Monstro Sagrado Morreu

{ }
Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.

Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida. Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal.

Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha. Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca.

Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.

Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. O futuro é meu enquanto eu viver. No futuro vai ter mais tempo de viver, e, de cambulhada escrever. Eu não escrevo cartas pra você porque só sei ser íntima. Aliás eu só sei em todas as circunstâncias ser íntima: por isso sou mais uma calada. Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia?

Vejo as flores na jarra: são flores do campo, nascidas sem se plantar, são lindas e amarelas. Mas minha cozinheira disse: mas que flores feias. Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta?

O monstro sagrado morreu: em seu lugar nasceu uma menina que era sozinha. Bem sei que terei de parar, não por causa de falta de palavras, mas porque essas coisas, e sobretudo as que eu só pensei e não escrevi, não se usam publicar em jornais.

in Tempestade de almas

Mavutsinim e o Primeiro Kuarup

Mavutsinim e a Criação do Homem

O primeiro homem (kamaiurá). No começo só havia Mavutsinim. Ninguém vivia com ele. Não tinha mulher. Não tinha filho, nenhum parente ele tinha. Era só. Um dia ele fez uma concha virar mulher e casou com ela. Quando o filho nasceu, perguntou para a esposa: É homem ou mulher? é homem. Vou levar ele comigo. E foi embora. A mãe do menino chorou e voltou para a aldeia dela, a lagoa, onde virou concha outra vez. – Nós – dizem os índios – somos netos do filho de Mavutsinim.

O Primeiro Kuarup – A Festa dos Mortos

O primeiro Kuarup, a festa dos mortos (Kamaiurá) Mavultsinim queria que os seus mortos voltassem à vida. Foi para o mato, cortou três toros da madeira de kuarup, levou para a aldeia e os pintou. Depois de pintar, adornou os paus com penachos, colares, fios de algodão e braçadeiras de penas de arara. Feito isso, mavutsinim mandou que fincassem os paus na praça da aldeia, chamando em seguida o sapo cururu e a cutia (dois de cada), para cantar junto dos Kuarup. Na mesma ocasião levou para o meio da aldeia, peixes e beijus para serem distribuídos entre o seu pessoal. Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão direita, cantavam sem cessar em frente dos kuarup, chamando-os à vida. Os homens da aldeia perguntavam a Mavutsinim se os paus iam mesmo se transformar em gente, ou se continuariam sempre de madeira com eram. Mavutsinim respondia que não, que os paus de kuarup iam se transformar em gente, andar como gente e viver como gente vive.

Depois de comer os peixes, o pessoal começou a se pintar, e a dar gritos enquanto fazia isso. Todos gritavam,. Só os maracá-êp é que cantavam. No meio do dia terminaram os cantos. O pessoal, então, quis chorar os kuarup, que representavam os seus mortos, mas Mavutsinim não permitiu, dizendo que eles, os kuarup, iam virar gente, e por isso não podiam ser chorados. Na manhã do segundo dia Mavutsinim não deixou que o pessoal visse os kuarup. “Ninguém pode ver” – dizia ele. A todo momento Mavutsinim repetia isso. O pessoal tinha que esperar. No meio da noite desse segundo dia os toros de pau começaram a se mexer um pouco. Os cintos de fios de algodão e as braçadeiras de penas tremiam também. As penas mexiam como se tivessem sendo sacudidas pelo vento.

Os paus estavam querendo transformar-se em gente. Mavutsinim continuava recomendando ao pessoal para que não olhasse. Era preciso esperar. Os cantadores – os cururus e as cutias – quando os kuarup começaram, a dar sinal de vida cantaram para que se fossem banhar logo que vivessem. Os troncos se mexiam para sair dos buracos onde estavam plantados, queriam sair para fora. Quando o dia principiou a clarear, os kuarup do meio para cima já estavam tomando forma de gente, aparecendo os braços, o peito e a cabeça. A metade de baixo continuava pau ainda. Mavutsinim continuava pedindo que esperassem, que não fossem ver. “Espera… espera… espera” – dizia sem parar.

O sol começava a nascer. Os cantadores não paravam de cantar,. Os braços dos kuarup estavam crescendo. Uma das pernas já tinha criado carne. A outra continuava pau ainda. No meio do dia os paus começavam a virar gente de verdade. Todos se mexiam dentro dos buracos, já mais gente do que madeira. Mavutsinim mandou fechar todas as portas., só ele ficou de fora, junto dos kuarup. Só ele podia vê-los, ninguém mais. Quando estava quase completa a transformação de pau para gente, Mavutsinim mandou que o pessoal saisse das casas para gritar, fazer barulho, promover alegria, rir alto junto dos kuarup. O pessoal, então, começou a sair de dentro das casas. Mavutsinim recomendava que não saíssem aqueles que durante a noite tiveram relação sexual com as mulheres.

Um, apenas, tinha tido relações. Este ficou dentro da casa. Mas não aguentando a curiosidade, saiu depois. No mesmo instante, os kuarup pararam de se mexer e voltaram a ser pau outra vez. Mavutsinim ficou bravo com o moço que não atendeu à sua ordem. Zangou muito, dizendo: – O que eu queria era fazer os mortos viverem de novo. Se o que deitou com mulher não tivesse saído de casa, os kuarup teriam virado gente, os mortos voltariam a viver toda vez que se fizesse kuarup. Mavutsinim, depois de zagar, sentenciou: – Está bem. Agora vai ser sempre assim. Os mortos não reviverão mais quando se fizer kuarup. Agora vai ser só festa. Mavutsinim depois mandou que retirassem dos buracos os toros de kuarup. O pessoal quis tirar os enfeites, mas Mavutsinim não deixou. “Tem que ficar assim mesmo”, disse. E em seguida mandou que os lançassem na água ou no interior da mata. Não se sabe onde foram largados, mas estão até hoje lá, no Morená.

Cada dia sem gozo não foi teu

Cada dia sem gozo não foi teu

Foi só durares nele. Quanto vivas

Sem que o gozes, não vives.


Não pesa que amas, bebas ou sorrias:

Basta o reflexo do sol ido na água

De um charco, se te é grato.


Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas

Seu prazer posto, nenhum dia nega

A natural ventura!

sábado, dezembro 04, 2010

Eu me Demito

Venho através desta, apresentar oficialmente meu pedido de demissão da categoria dos adultos.
Resolvi que quero voltar a ter as responsabilidades e as idéias de uma criança de 8 anos no máximo
Quero acreditar que o mundo é justo e que todas as pessoas são honestas e boas
Quero acreditar que tudo é possivel
Quero que as complexidades da vida passem despercebidas por mim, e quero ficar encantado, com as pequenas maravilhas deste mundo...
Quero de volta uma vida simples e sem complicações
Cansei dos dias cheios de computadores que falham,montanha de papeladas, notícias deprimentes, contas a pagar, fofocas, doenças e,Necessidade de atribuir um valor monetário a tudo o que existe!!!!!!!!!
Não quero mais, ter que inventar jeitos para fazer o dinheiro chegar até o dia do próximo pagamento.
Não quero mais ser obrigado a dizer adeus às pessoas queridas e, com elas, a uma parte da minha vida!
Quero ter a certeza de que DEUS está no céu, e de que por isso tudo está direitinho neste mundo...
Quero viajar ao redor do mundo, num barquinho de papel que vou navegar numa poça deixada pela chuva.
Quero jogar pedrinhas na água,e ter tempo para olhar as ondas que elas formam.
Quero achar que as moedas de chocolate são melhores do que as de verdade, porque podemos comê-las e, ficar com a cara toda lambuzada.
Quero achar que chicletes e picolés são as melhores coisas da vida!
Quero ficar feliz quando, amadurecer o primeiro caju, a primeira manga ou,quando a jabuticabeira ficar pretinha de frutas
Quero poder passar as tardes de verão, numa bela praia, construindo castelos na areia, e dividindo-os com meus amigos...
Quero que as maiores competições que eu tenha de entrar sejam um jogo de bola de gude, ou uma pelada...
Quero voltar ao tempo em que tudo o que eu sabia, era o nome das cores, a tabuada, as cantigas de roda, a “Batatinha quando nasce...” e o “Pai Nosso...”,e que isso não me incomodava nadinha, porque eu não tinha a menor idéia de quantas coisas eu ainda não sabia.
Quero voltar ao tempo em que se era feliz, simplesmente porque se vivia na bendita ignorância da existência de coisas que podiam nos preocupar ou aborrecer...
Quero poder acreditar no poder dos sorrisos, dos agrados, das palavras gentis, da verdade, da justiça, da paz, dos sonhos, da imaginação, dos castelos no ar e na areia.
Quero estar convencido, de que tudo isso...
Vale muito mais do que o dinheiro!
A Partir de hoje, isto é com vocês, porque eu estou me demitindo da vida de adulto.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Atalhos

Quanto tempo a gente perde na vida? Se somarmos todos os minutos jogados fora, perdemos anos inteiros. Depois de nascer, a gente demora pra falar, demora pra caminhar, aí mais tarde demora pra entender certas coisas, demora pra dar o braço a torcer. Viramos adolescentes teimosos e dramáticos. Levamos um século para aceitar o fim de uma relação, e outro século para abrir a guarda para um novo amor, e já adultos demoramos para dizer a alguém o que sentimos, demoramos para perdoar um amigo, demoramos para tomar uma decisão. Até que um dia a gente faz aniversário. 37 anos. Ou 41. Talvez 48. Uma idade qualquer que esteja no meio do trajeto. E a gente descobre que o tempo não pode continuar sendo desperdiçado. Fazendo uma analogia com o futebol, é como se a gente estivesse com o jogo empatado no segundo tempo e ainda se desse ao luxo de atrasar a bola pro goleiro ou fazer tabelas desnecessárias. Que esbanjamento. Não falta muito pro jogo acabar. É preciso encontrar logo o caminho do gol.

Sem muita frescura, sem muito desgaste, sem muito discurso. Tudo o que a gente quer, depois de uma certa idade, é ir direto ao assunto. Excetuando-se no sexo, onde a rapidez não é louvada, pra todo o resto é melhor atalhar. E isso a gente só alcança com alguma vivência e maturidade.

Pessoas experientes já não cozinham em fogo brando, não esperam sentados, não ficam dando voltas e voltas, não necessitam percorrer todos os estágios. Queimam etapas. Não desperdiçam mais nada.

Uma pessoa é sempre bruta com você? Não é obrigatório conviver com ela.

O cara está enrolando muito? Beije-o primeiro.

A resposta do emprego ainda não veio? Procure outro enquanto espera.

Paciência só para o que importa de verdade. Paciência para ver a tarde cair. Paciência para sorver um cálice de vinho. Paciência para a música e para os livros. Paciência para escutar um amigo. Paciência para aquilo que vale nossa dedicação.
Pra enrolação...atalho.

Casamento é um Estado de Espírito

Pra começar, casamento não deveria ser um divisor de águas na vida de uma pessoa, com uma data escolhida para separar definitivamente o antes do depois.
Em vez de decidir casar, deveríamos permitir que o casamento acontecesse espontaneamente, sem que a gente nem percebesse. Comigo, sortuda que sou, aconteceu assim. Estávamos juntos havia um tempão e cada um morava no seu apartamento. Aos poucos, a cumplicidade foi aumentando, nossas roupas e discos começaram a se misturar, já não queríamos dormir separados. Não fazíamos muitos planos para o futuro, curtíamos a companhia um do outro serenamente, sem pactos nem juras de amor eterno, até que um belo dia nos demos conta de que já estávamos casados, casadíssimos, a questão era oficializar ou não. Oficializamos, assinamos os papéis, e o que mudou a partir daí? Nada. Qual é a data do nosso casamento? 13 de janeiro, 30 de março, 23 de outubro, 8 de dezembro... escolha você. Em cada dia dos nossos quatro anos de namoro a gente casou um pouquinho. O que equivale a dizer que começamos a casar no dia em que nos conhecemos: não foi um crime premeditado.
Casamento é grude? Só se o casal ambiciona o ódio mútuo. Casamento é a união de duas pessoas que têm afinidades, que gostam muito de conversar uma com a outra, de transar uma com a outra e que resolvem morar juntas porque é mais econômico e porque facilita na hora de ter filhos, que é uma aventura deliciosa a ser compartilhada. Se ambos estiverem de acordo quanto a isso, aceitarão com naturalidade que cada um tenha os próprios amigos, os próprios passatempos, suas viagens, seu trabalho, enfim, que sejam donos de uma vida individualizada e inteira, e não mutilada. Leva-se um tempo até descobrir que esse é um arranjo que funciona. Pena que, antes que o casal amadureça e chegue a esse ponto, muitos desistem por puro apego às convenções.
Você deve estar pensando: muito bem, e agora? Ela vai continuar enrolando ou vai tocar naquele ponto nevrálgico que implode a maioria das relações?
Não, ela não vai continuar enrolando. É hora de falar na dolorosa. A questão da fidelidade.
Se Jennifer Aniston continuar casada com Brad Pitt por mais dez anos, até ela, com aquele monumento em casa, vai começar a bocejar e a olhar impaciente pela janela. Não porque Brad Pitt tenha dentes feios e espinhas no rosto (foi o Rubens Ewald que disse isso; pra mim Brad segue perfeito). A razão será outra: amor e sexo não são da mesma família. O amor é de família nobre e tradicional, enquanto o sexo vem da periferia e é chegado numa promiscuidade. Nem os sentimentos mais elevados por nosso parceiro conseguem evitar que tenhamos desejos secretos e fora de hora. Desejar é humano, meritíssimo, não nos condene. Estranho seria se a gente não tivesse nenhuma fantasia, nenhuma excitação pelo que acontece do lado de fora da cela.
Homens sentem vontade de transar com outras mulheres, e mulheres sentem vontade de transar com outros homens pelas mais diversas razões: para testar seu poder de sedução, para dar um up na auto-estima, para recuperar a adolescência perdida ou porque se apaixonaram por outra pessoa inadvertidamente - arrisco até a dizer: inocentemente. Ninguém tem controle absoluto sobre si mesmo, pode acontecer com qualquer um. E aí, como se resolve?
Quem é temente a Deus reprime. Quem é temente aos olhos dos vizinhos reprime. Quem é temente a si mesmo reprime. Mas quem não quer passar o resto da vida privando-se de sonhar, de se encantar, de namorar outra vez encara e assume os riscos, que não são poucos. Muitos acabam se separando, mesmo tendo um casamento que era satisfatório. No entanto, a tal "pulada de cerca" às vezes não gera maiores conflitos internos, é apenas uma necessidade paralela.
Não é assunto fácil, tampouco é novo. É um problema antigo e cabeludo. Envolve religião e seu subproduto: culpa. Sentimos culpa por tudo. Culpa por sermos avançadas demais, medrosas demais, galinhas demais, santinhas demais. Culpa pela nossa libido, pelas nossas fraquezas, pela nossa coragem. Culpa por estarmos mentindo, omitindo, enganando. Por ter permitido que o casamento chegasse a esse ponto de fragilidade - ou de segurança extrema, acreditando que tudo será perdoado e compreendido.
Casamento é um compromisso sério, mas não deveria significar prisão, submissão, anulação, obediência e tudo mais que caracteriza uma relação tirânica. Casamento deve significar amizade, sexo, respeito, diversão e companhia. Casamento tem que ser alegre, tem que ter sintonia, liberdade e muito jogo de cintura. Casamento não é brincadeira de criança, mas tem que ser leve, e é imprescindível que haja maturidade e - atenção - inteligência! A burrice é inimiga das relações, ela é que permite o surgimento de mesquinharias, preconceitos, implicâncias e ciúmes doentios. Casamento tem que ser aberto, não necessariamente no sentido sexual - isso é negociado caso a caso -, mas aberto para a renovação, para a conversa franca, para as necessidades de cada um, para a intimidade que vai além dos corpos, intimidade de almas, intimidade que permite a gente enxergar o outro, aceitar o outro e viver de maneira menos repetitiva e convencional. Cada casamento exige uma fórmula própria, cada casal inventa a sua, mas de uma coisa não se pode prescindir: da flexibilidade.
Parece facílimo, mas é um deus-nos-acuda. De tudo o que foi dito, a única conclusão a que chego é que os casamentos seguirão desmoronando se não houver uma compreensão do assunto que ultrapasse o romantismo. Amor é fundamental, mas não basta. É preciso um não-sei-quê que a gente não explica, mas sente. Algo que está no ar, no olhar, e que dispensa racionalizações.
Pelo o que me diz respeito
Eu sou feita de dúvidas
O que é torto, o que é direito
Diante da vida
O que é tido como certo, duvido
E não minto pra mim
Vou montada no meu medo
E mesmo que eu caia
Sou cobaia de mim mesma
No amor e na raiva
Vira e mexe me complico
Reciclo, tô farta, tô forte, tô viva
E só morro no fim
E pra quem anda nos trilhos cuidado com o trem
Eu por mim já descarrilho
E não atendo a ninguém
Só me rendo pelo brilho de quem vai fundo
E mergulha com tudo
Pra dentro de si
Lá do alto do telhado pula quem quiser
Só o gato que é gaiato
Cai de pé...

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Mamãe Noel

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.

Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.

Namore um Barrigudinho

Tenho um conselho valioso para dar aqui: se você acabou de conhecer um rapaz, ficou com ele algumas vezes e já está começando a imaginar o dia do seu casamento e o nome dos seus filhos, pare agora e me escute! Na próxima vez que encontrá-lo, tente disfarçadamente descobrir como é sua barriga.

Se for musculosa, torneada, estilo `tanquinho´, fuja! Comece a correr agora e só pare quando estiver a uma distância segura. É fria, vai por mim.

Homem bom de verdade precisa, obrigatoriamente, ostentar uma barriguinha de chopp. Se não, não presta. Estou me referindo àqueles que, por não colocarem a beleza física acima de tudo (como fazem os malditos metrossexuais), acabaram cultivando uma pancinha adorável. Esses, sim, são pra manter por perto. E eu digo por quê.

Você nunca verá um homem barrigudinho tirando a camisa dentro de uma boate e dançando como um idiota, em cima do balcão. Se fizer isso, é pra fazer graça pra turma e provavelmente será engraçado, mesmo. Já os `tanquinhos´ farão isso esperando que todas as mulheres do recinto caiam de amores - e eu tenho dó das que caem. Quando sentam em um boteco, numa tarde de calor, adivinha o que os pançudos pedem pra beber? Cerveja! Ou coca-cola, tudo bem também. Mas você nunca os verá pedindo suco. Ou, pior ainda, um copo com gelo, pra beber a mistura patética de vodka com `clight´ que trouxe de casa.

E você não será informada sobre quantas calorias tem no seu copo de cerveja, porque eles não sabem e nem se importam com essa informação. E no quesito comida, os homens com barriguinha também não deixam a desejar.

Você nunca irá ouvir um ah, amor, `Quarteirão´ é gostoso, mas você podia provar uma `McSalad´ com água de coco. Nunca! Esses homens entendem que, se eles não estão em forma perfeita o tempo todo, você também não precisa estar. Mais uma vez, repito: não é pra chegar ao exagero total e mamar leite condensado na lata todo dia! Mas uma gordurinha aqui e ali não
matará um relacionamento. Se ele souber cozinhar, então, bingo! Encontrou a sorte grande, amiga. Ele vai fazer pra você todas as delícias que sabe, e nunca torcerá o nariz quando você repetir o prato. Pelo contrário, ficará feliz.

Outra coisa fundamental:

Homens barrigudinhos são confortáveis!

Experimente pegar a tábua de passar roupas e deitar em cima dela. Pois essa é a sensação de se deitar no peito de um musculoso besta. Terrível!

Gostoso mesmo é se encaixar no ombro de um fofinho, isso que é conforto. E na hora de dormir de conchinha, então? Parece que a barriga se encaixa perfeitamente na nossa lombar, e fica sensacional.

Homens com barriga não são metidos, nem prepotentes, nem donos do mundo.

Eles sabem conquistar as mulheres por maneiras que excedem a barreira do físico. E eles aprenderam a conversar,a ser bem humorados, a usar o olhar e o sorriso pra conquistar. É por isso que eu digo que homens com barriguinha sabem fazer uma mulher feliz.


(CM* PSICÓLOGA, ESPECIALISTA EM SEXOLOGIA)
*nome preservado por não sabermos a autenticidade do texto

35 anos para ser feliz

Uma notinha instigante na Zero Hora de 30/09: foi realizado em Madri o Primeiro Congresso Internacional da Felicidade, e a conclusão dos congressistas foi que a felicidade só é alcançada depois dos 35 anos. Quem participou desse encontro? Psicólogos, sociólogos, artistas de circo? Não sei. Mas gostei do resultado.

A maioria das pessoas, quando são questionadas sobre o assunto, dizem: "Não existe felicidade, existem apenas momentos felizes". É o que eu pensava quando habitava a caverna dos 17 anos, para onde não voltaria nem puxada pelos cabelos. Era angústia, solidão, impasses e incertezas pra tudo quanto era lado, minimizados por um garden party de vez em quando, um campeonato de tênis, um feriadão em Garopaba. Os tais momentos felizes.

Adolescente é buzinado dia e noite: tem que estudar para o vestibular, aprender inglês, usar camisinha, dizer não às drogas, não beber quando dirigir, dar satisfação aos pais, ler livros que não quer e administrar dezenas de paixões fulminantes e rompimentos. Não tem grana para ter o próprio canto, costuma deprimir-se de segunda a sexta e só se diverte aos sábados, em locais onde sempre tem fila. É o apocalipse. Felicidade, onde está você? Aqui, na casa dos 30 e sua vizinhança.

Está certo que surgem umas ruguinhas, umas mechas brancas e a barriga salienta-se, mas é um preço justo para o que se ganha em troca. Pense bem: depois dos 30, você paga do próprio bolso o que come e o que veste. Vira-se no inglês, no francês, no italiano e no iídiche, e ai de quem rir do seu sotaque. Não tenta mais o suicídio quando um amor não dá certo, enjoou do cheiro da maconha, apaixonou-se por literatura, trocou sua mochila por uma Samsonite e não precisa da autorização de ninguém para assistir ao canal da Playboy. Talvez não tenha se tornado o bam-bam-bam que sonhou um dia, mas reconhece o rosto que vê no espelho, sabe de quem se trata e simpatiza com o cara.

Depois que cumprimos as missões impostas no berço — ter uma profissão, casar e procriar — passamos a ser livres, a escrever nossa própria história, a valorizar nossas qualidades e ter um certo carinho por nossos defeitos. Somos os titulares de nossas decisões. A juventude faz bem para a pele, mas nunca salvou ninguém de ser careta. A maturidade, sim, permite uma certa loucura. Depois dos 35, conforme descobriram os participantes daquele congresso curioso, estamos mais aptos a dizer que infelicidade não existe, o que existe são momentos infelizes. Sai bem mais em conta.